quinta-feira, 4 de setembro de 2008

"A imprensa e a nossa dependência de baboseira"



Por António Maria G. Lemos
É claro que saber quem será o próximo presidente dos EUA é de interesse mundial. No entanto, apesar de que só nos deveria interessar saber dos factos da plataforma política dos candidatos, somos obrigados a ler a estupidez gerada para o mercado americano, em todos os cantos do mundo. Como se o Pato Donald fosse também o nosso herói!
A quem deverá interessar saber, da Patagônia à Sibéria, se fulana está grávida ou não, se o furacão Gustav é "a mãe das tempestades" (?!) e por isso os Republicanos adiam o seu congresso... etc, etc?
Apesar do tal Gustav ser "a mãe" da política republicana e por sorte „dos bons ventos" não ter causado os estragos muito especulados e usados na política americana, o que mais vimos na TV e nos jornais em todos os países, foi a tempestade de Nova Orleans, quando na verdade o Gustav foi mesmo pesado em outros países da região caribenha.
No espaço das mídias locais, quantos segundos na TV ou linhas escritas nos jornais foram dedicados a esses países? Onde além de lá terem falecido muitas pessoas, nem os sobreviventes nem os governos locais têm dinheiro ou seguros para reconstruir a perda material pessoal e das frágeis e pobres infra estructuras básicas desses países. Será isso menos importante que o "Show" to tio Sam?
O que mais me irrita é que a mídia do mundo ocidental, de uma forma geral dá sempre um destaque exagerado a tudo que vem da terra do "Tio Sam".
Neste colonialismo de mídia assumido por própria vontade, o mundo noticioso virou um imenso bordel de revistas de cabeleireiro; onde o que interessa é saber quem não está mais com quem, em qual ilha está na moda se transar ou fazer operações plásticas, e saber que „queridinhas" são as filhas do Obama, ou quantos meses de gravidez tem a filha da Vice Republicana.
Me pergunto, já faz tempo, do porquê da importação de fofocas feitas para eleitor americano, onde sabemos que tudo não passa de mais uma série de TV de baixíssima qualidade, quando há notícias mundiais e locais, de maior realismo, sensibilidade humana e politicamente mais factuais e importantes para se repassar?
O pior de tudo é que quanto mais penso nisso, chego á conclusão que nós leitores somos os verdadeiros culpados. Afinal, infelizmente, os meios de comunicação, hoje em dia estão nas mãos de "managers" pagos por empresários e banqueiros, e não mais na mão de jornalistas com compromisso pelos factos e a verdade. A imprensa só divulga - quando não inventam - as notícias que melhor se consomem.
Dizem sempre que estão em crise, mas pagam milhões para terem os direitos de divulgar as fotos dos gêmos de não sei quem, ou ao invés de pagarem um décimo desse preço a jornalistas, "câmera-mans" e fotógrafos para irem investigar Darfour, Geórgia, China, desbravamento ilegal de florestas, sistema de saúde, educação, a corrupção nas nossas sociedades, e outros temas muito mais relevantes das nossas vidas e sociedades.
E nós. os pseudo-espertos, pagamos e gastamos tempo falando (ou escrevendo) sobre tanta infantilidade made in USA ou proeminentes da estupidez.
É a isso que chamo de analfabetismo letrado.
Mea culpa, mea culpa, mea culpa
António Maria

Um comentário:

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Tó Maria,
Venho sempre almoçar a casa, e antes de voltar ao escritório dou uma olhada nos e.mails e às vezes em alguma coisa mais.
Hoje tinha o teu e.mail com este grande, em conteúdo, post. A tarde demorou a passar ou a ansiedade de o colocar logo na "Lanterna" estava mesmo alta.
Queria ter sido eu a escrever isto...
Grande abraço.

Zé Paulo