Zonué se chamava a região moçambicana onde se localizava a minha fazenda.
Ali eu, minha Mulher e Filhos, vivemos durante duas décadas, alguns dos anos mais felizes de nossas vidas. Mas não é isso que quero falar agora.
Me pediste para te falar de uma crônica para o NOTÍCIAS DA BEIRA que da minha fazenda o teu Pai, o saudoso Gouvêa Lemos (mais meu irmão do que cunhado...) escreveu e que de certo modo me dizia respeito.
Era final dos anos sessenta, começo ou meados de Novembro. Havia mais de um mês que não chovia em toa a região de Chimoio e Manica, e nós agricultores estávamos desesperados vendo morrer pela seca todas as nossas plantações, no meu caso, de tabaco "virginia". Teu Pai tinha chegado uns dias antes para "cobrir" a grande seca e fazendo base em minha casa, todos os dias percorria outras fazendas de região, ouvindo os agricultores e constatando os prejuízos.
À noite, quando regressava, nos sentávamos no jardim, tentando apanhar um pouco de fresco, bebendo um "copo", e ele relatando o que tinha constatado. Só comentávamos a desgraça que a seca estava causando, a falta de apoio do governo aos agricultores, que se desesperavam sem saberem como iriam pagar os seus compromissos, financiamentos, etc. ... Eu então não parava de me lamentar.
Acontece, que ao fim de mais de trinta dias, a chuva veio em uma noite exatamente quando estávamos batendo papo no jardim. Veio pra valer! Ninguém arredou pé ou correu para se abrigar na varanda. Todos, eu, a minha Mulher e os teus Pais (a tua Mãe também tinha vindo) e até o Justino e o Moresse, meus empregados de casa, ninguém arredou pé pois todos queríamos receber aquela chuva , tão ansiosamente esperada, e que na realidade se tornava a salvação da lavoura, como se costuma dizer.
Choveu abundantemente durante mais de uma hora. Quando parou nos limpamos, trocamos alguma roupa encharcada e então sim, as lamurias, preocupações e desespero que uma hora antes eu não parava de lamentar, deram lugar a uma euforia da minha parte. Eu sabia que, no dia seguinte, a minha plantação estava salva e que logo cedo eu podia percorrer o campo e ver as plantinhas de tabaco, que anteriormente mal se viam, todas verdinhas e prontas a se desenvolveram normalmente e prometerem uma boa colheita!
No dia seguinte fui ler a crônica que o teu Pai havia enviado para a redação do Jornal. Claro que não me lembro de tudo que ele escreveu; mas recordo-me bem de uma parte, depois dos comentários sobre as dificuldades dos agricultores em face a falta de políticas de apoio do governo, que dizia mais ou menos assim: ontem à noite um agricultor que me é fraternalmente muito querido, após aquela chuva abençoada já se esquecia da seca, dos prejuízos, das dividas de safra, enfim, de tudo o que minutos antes o atormentava, e cheio de alegria e entusiasmo me falava dos seus projetos para o ano seguinte, compra de novos equipamentos agrícolas, aumento da área de plantação, ou seja de investir mais ainda no seu único patrimônio!
E terminava mais ou menos assim: "afinal os agricultores são como as crianças qualquer chuva os deixa eufóricos, cheios de esperança, como de tivessem ganho o brinquedo que tanto desejavam."
De dezenas ou até centenas de crônicas escritas pelo Gouvêa Lemos, esta escrita da minha fazenda, falou fundo no meu coração e sempre a recordo com muita saudade, a mesma saudade com que recordo o Jornalista mais integro e independente que passou por Moçambique, onde ainda hoje é lembrado com admiração e respeito.
Meu caro Zé Paulo, desculpa ter-me alongado tanto, mas entre muitas coisas que me faltam, me falta a sabedoria do teu Pai de saber escrever "muito" em poucas palarvras.
José Moreira de Carvalho.