sábado, 31 de maio de 2008

Ainda o Acordo Ortográfico

Fonte da Imagem: UNIFAI


Hoje, com a devida vénia ao jornal moçambicano SAVANA, transcrevo uma crónica de Afonso dos Santos e uma outra, escrita pelo meu irmão António Maria, onde comenta a primeira.
Ambas mostram um lado do qual eu não concordo, mas que têm na sua estruturação boa argumentação e qualidade de "escribas".
Como não poderia deixar de ser, enviei um e.mail para o meu irmão "contestando" o seu ponto de vista, o qual aqui também estarei-o reproduzindo.
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SAVANA
Maputo
23.05.08
Lide Lidima
Por Afonso dos Santos
"O acordo pronográfico"
Este título tem um erro: não é “pronográfico” que se escreve, mas sim “pornográfico”. Mas isso pouco importa, porque, nesta fase de auto-estima acelerada e de passagens automáticas no ensino, parece haver um acordo para que cada um escreva como lhe apeteça. Entretanto, só por causa do seu título, este texto é capaz de ter mais leitores do que os leitores habituais desta coluna. Mas eu estou só a seguir a linha de alguns jornais que põem títulos espectaculosos na primeira página, e depois o texto da notícia não acrescenta nada ao que está no título. Mas para que esses eventuais leitores adicionais não abandonem já a leitura deste texto, adianto, desde já, que, na mesma onda desse tipo de jornalismo, sempre aparecem, lá para o fim do texto, uma ou duas linhas relacionadas com o título. Há uns dias atrás, um canal de televisão apresentou uma simulação de debate sobre o famigerado acordo ortográfico de inspiração brasileira. Chamo-lhe simulação de debate, porque os três convidados tinham opinião unâmime. Ficámos assim a conhecer um novo conceito de “debate aberto”, que consiste em juntar três pessoas para defenderem todas a mesma posição e os mesmos interesses, no melhor estilo frélio. Um dos participantes nesse debate unânime é director do Centro de Estudos Brasileiros, pelo que nem precisava de abrir a boca, para que se soubesse de antemão qual seria a sua posição, visto que o tal acordo ortográfico não é mais do que um negócio brasileiro. Aliás, esse director deixou isso bem claro, quando afirmou que isto é uma questão do mercado da língua. Na verdade, isto consiste precisamente em substituir aquilo que é uma língua cultural por uma língua mercantil ou comercial. E assim sendo, os argumentos do director desnecessitam de mais comentários.
Outro participante no debate unânime foi um escritor chamado “Bakakoss”, pelo menos segundo a ortografia apresentada inicialmente na legenda da pantalha do televisor. Acontece que o venerando “Bakakoss”, sendo um funcionário governamental com funções de direcção, não poderia tomar outra posição que não fosse a de defender o seu pão. Isso de ter posições próprias foram apenas traquinices juvenis duma outra era, ora ajuizadamente sepultadas. E não é de admirar que quem se dedica a congeminar fábulas, venha apresentar uma fabulosa solução: muda-se umas letras na ortografia e imediatamente os livros chegarão em massa a todos os distritos e localidades. Por outras palavras: se hoje não há lá livros, é por causa da... ortografia! Esta solução é tão fabulosa que até dá para pensar que com a nova ortografia já nem será necessária a alfabetização. Finalmente, uma terceira participante no fictício debate apresentou um argumento bem mais delirante: o acordo é importante por causa dos crentes duma “igreja” brasileira, por causa das novelas brasileiras e por causa da maneira como “os nossos filhos, os nossos jovens [ai que ternura!] escrevem nos telemóveis”. Esta participante teve o mérito de nos colocar “in the year twenty five twenty five” [no ano dois mil e quinhentos e vinte e cinco], conforme o nome duma canção antiga. É que ela explicou que: “Todos os moçambicanos ou quase todos ou pelo menos a maioria assiste à novela”. Parece que a Electricidade de Moçambique se esqueceu de nos informar que a energia eléctrica já chega a todas as localidades e aldeias, e o Governo se esqueceu de propagar que o poder de compra dos moçambicanos já é suficiente para que todos tenham televisor. Também não é de admirar que quem anda com a mente embriagada pelas novelas brasileiras, e vive com a cabeça no Brasil, confunda Moçambique com a cidade de Maputo. Mas o mais destacado em tudo isto é que – provavelmente graças à sua política de passagens automáticas no ensino – o Governo terá conseguido levar a cabo uma autêntica Revolução Cultural, através da qual “todos os moçambicanos ou quase todos ou pelo menos a maioria” passaram a ser fanáticos de telenovelas!
Desde que ouvi aquela coisa sobre as telenovelas, ainda não consegui dormir, pois ando embrenhado em pesquisas, para tentar descobrir qual é a ortografia das telenovelas brasileiras, visto que elas são faladas e não escritas. E ainda não me apercebi de que elas tenham legendas... Argumentam também que as alterações impostas pelo “acordo brasileiro” são mínimas, e chutam umas percentagens. Então, se as alterações são tão insignificantes, porque é que o acordo é tão importante e se assanham tanto em sua defesa? De resto, lá pelo meio do programa, o Brasil chegou a ser designado como “a grande vanguarda”! Hoye! Primeiro andam a palrar que uma língua é um organismo vivo, que se transforma conforme a cultura de cada país, e depois vêm defender a uniformização! É por tudo isto que o pleno acordo demonstrado entre aqueles três paineleiros (membros do painel), sendo baseado em argumentos forjados com o intuito de fornicarem a nossa inteligência, não pode deixar de ser considerado um acordo pornográfico.
E, neste contexto, parece-me que a melhor maneira de terminar este texto é com a ortografia do secretário-geral da chamada associação dos escritores moçambicanos, esse kastiço representante duma folklórika klique que lá o kolokou, que num célebre texto da sua autoria – onde ele confessa que a sua competência de leitura é insuficiente para ler José Saramago –, termina a sua prosa da seguinte maneira: “Fuck off”.
Eu bem vos prometi que no fim haveria pornografia...
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(Publicado também no Savana...uma semana depois)
Ainda sobre a „Pronografia“
Caros "Savaneiros" Foi bom começar o domingo lendo a crónica do Lide Lidima - O acordo pronográfico 23-05.08 - que me chegou por E-mail.
Mesmo que o conteúdo abordado na crónica seja altamente sério e pela descrição dos detalhes do andamento de tal acordo nelas mostrado, ser mesmo até para chorar, a forma leve e irônica usada pelo Lide, me provocou altas gargalhadas.
Desta vez valeu a pena não estar em frente da televisão em Moçambique, assim fiquei livre de ter que assistir ao debate do „trio“ que por falta de discordância, ficaram os telespectadores sabendo como é importante ver a telenovela brasileira, (do Revuma ao Maputo eletrificado), e poder entender o que o reverendo brasileiro está afim de nos enrolar cabeça a dentro. Era mesmo um debate ou um programa humorístico? Porque não juntaram pessoas de posições diferentes para mostrar aos telespectadores? Seria o patrocionador do programa algo verde e amarelo?
Sendo eu um filho do PALOP - em todos os sentidos da palavra - pois genéticamente vêem as minhas origens de Lamego e Vila Real (Trás-dos–Montes), nascido na então Lourenço Marques e alfabetizado na Beira dos anos 60. Foi em meados de 70, quando já lia mais do que Tim Tim e Astérix, quis a vida que fosse parar ao Brasil, onde acabei por viver díficeis, mas também quinze lindos e inesquecíveis anos. Lá chegando fui deparado com as diferenças ortográficas dos nossos idiomas, que me fizeram passar na matéria de português, dos três melhores da classe na Beira para os três piores de Itapetinga (Bahia). As regras de acentuação eram tão diferentes, sem falar das palavras que usavam C num canto, e noutro canto não havia Cs á mão. Ficava impressionado como os brasileiros precisavam até de regra para destinguirem o "mas" do „mais“ (!?), pois com a sua forma sonora e charmosamente dançante de falar, não se escuta a diferença do som dessas duas palavrinhas tão diferentes no significado.
Até mesmo dentro do Brasil, do Oiapoque ao Chuí, existe uma diversidade enorme de interpretação de vocabulário, sem no entanto ninguém pretender submeter o jeito de se falar carioca, gaúcho...ao baiano ou maranhense. Talvez por isso seja tão interessante ler livros tão diferentes no seu linguajar, como Fernando Veríssimo, Jorge Amado ou Drumond de Andrade, só para mencionar alguns, que tão bem nos mostraram até hoje, o quão diverso é o nosso português.
Me lembro de uma piada, das poucas que se conta sobre brasileiros, abordando a dificuldade deles em escrever o seu próprio idioma; Um empresário, pedia para a sua secretária enviar um memorando para os seus sub-directores convocando uma reunião. A certa altura depois de ter dito "..ficando assim marcada a reunião para sexta-feira", a secretária nervosa pergunta "Dôtor sêxta si' crevi com x ou com s?" O empresário atônito olha para ela e responde ;"..ficando assim marcada a reunião para QUINTA-feira"
Hoje é facto - ou será fato ? - que eu sou afro-luso-brasileiro por opção, como fruto dessa mistura uso regras gramaticais e palavras do diverso e numeroso „mundo palopiano“. Bailo sem mais nem menos na pista de todas as três casas, e olhando de cima para baixo feito pássaro que não conhece fronteiras, com a devida distância emocional e nacionalista, percebo que em todas as vertentes do mundo PALOP há muito que aprender e aproveitar. Moçambique ou qualquer outro país não se deve jamais submeter a regras impostas por um cartel de interesses financeiros verde-amarelo, vermelho-verde, etc.. que pretendam salvaguardar os seus próprios interesses - seja dos professores e intelectuais locais que não querem voltar a estudar, ou dos objetivos de vendas das suas editoras e publicações - usando esfarrapadamente a hegemonia do idioma, como sendo o verdadeiro objetivo do acordo ortográfico.
Tanto no Brasil como em Moçambique, em termos percentuais, e não de numero de habitantes, as suas populações não contam nas estatísticas internacionais entre as melhores da lista das populações leitoras do mundo. Sem falar, que temos muitos alfabetizados que não são capazes de entender o que lêem. (E não é só Saramago não!)
Concordo com as diferenças - que também se encontram e são aceitas em outros idiomas - que deverão ser resguardadas e integradas em favor do enriquecimento da homogeneidade linguística. Permitindo para o bem das futuras gerações de todos os países de lìngua portuguesa, um maior intercâmbio cultural a todos os níveis inseridos no estudo dependentes do nosso tão diverso idioma.
Não há que ficar procurando o erro e o acerto, e sim a comunhão do que já existe entre tanta e rica diversidade. Anexando-se os regionalismos como formas também a ser aceitas como correctas, divulgando-as no mundo Palopiano sem favoritismos, e decidir quais os compromissos gramaticais que todas as partes envolvidas poderão oferecer ou terão que talvez ceder. Em prol de uma verdadeira homogeneidade linguística, (neutra de interesses financeiros e pedagógicos), a arrogáncia nacional tem que ficar em casa e não nos encontros internacionais.
Não se pode indefinidamente continuar „empurrando este problema com a barriga“, como se eles não existisse, porque está mais do que na hora de todos os países interessados, se sentarem à mesa e mostrarem ao mundo que somos capazes de criar e adaptar a nossa língua mãe, de acordo com o nosso tempo e vertentes regionais. No entanto essa mesa não deverá ter cantos nem cabeceiras. Redonda deverá ser ela, para que de igual para igual, se possa discutir, aceitar e propor compromissos, e finalmente se encontrar soluções que enriqueçam ainda mais o já tão rico idioma português.
Mas voltando á "pronografia" do Lide Lima. Achei maningue legal o jeitinho porreiro, (em baianês; porreta), como ele descreveu o „debate unânime „ da TV moçambicana.
Antonio Maria Gouveia Lemos
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(O meu e.mail ao meu irmão...)

António Maria,
Em alguma coisa haveríamos de discordar até na pontuação. Não consigo deixar entrar nos argumentos de discusão questões empresariais, de interesses de editoras ou algo semelhante. Me mantenho apenas em uma única questão: A Língua Portuguesa e a necessidade ou não de acordos ortográficos entre as nações que têm esta língua como sendo a sua, ou uma das suas, língua(s) nacional(ais).
Falas, de quando chegamos ao Brasil, de algumas dificuldades que encontramos sobre acentuação e sobre as consoantes "mudas" já em desuso na década de 70. Se parares e fizeres uma avaliação fria, eram pequenas as diferenças, como são ainda hoje as diferenças ortográficas entre o português escrito em terras brasileiras, em terras portuguesas, como em Moçambique quando de lá saímos em 1975. Me parece que nós nos atrapalhamos mais foi em passar para o papel o que achávamos que o sotaque brasileiro poderia representar de diferença na ortografia, o que foi um nó desnecessário ajudado pelo corte de uma ou outra consoante muda e a mudança que pegamos, junto dos brasileiros, das benditas crases, a não obrigação dos tremas e pouco mais, pois oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas, acentuadas ou não, aqui e em Portugal é tudo a mesma sopa de letrinhas.
Ainda assim, se os acordos até então fossem mais completos, não haveríamos nós tido maiores dificuldades.
O que o acordo atual tem como foco é essa padronização das diferenças já existentes e de algumas novas propostas, tanto para Portugal, Moçambique e mesmo Brasil, e claro, para os outros PALOP. Mas sempre falando em questões do que chamo de código de comunicação escrita da lingua portuguesa. Não há no acordo pretensões de padronizar sotaques, termos regionais, termos estes, como bem disseste, diferentes entre regiões dentro do território brasileiro, como entre regiões de Portugal ou mesmo de regiões de Moçambique, quanto mais entre os países envolvidos. Estilos como um Jorge Amado, um Veríssimo, um Mia Couto, um formal como Saramago, continuarão existindo. O que eles continuarão e deverão escrever é com o mesmo "código", mesmo que com terminologias especificas dos seus personagens regionais e até palavras "criadas" para representar a sonorização que se pretende dar ao diálogo.
Há também que levar em conta, que questões regionais são tratadas no Acordo Ortográfico, e como exemplo, palavras com consoantes "mudas" para uns poderão e deverão ser mantidas, podendo ser escritas das duas formas.
A questão de interesses financeiros de possíveis editoras brasileiras, creio eu, pela forma que Portugal vem tratando o tema faz muitos anos, o empresariado brasileiro só teria a ganhar se o português brasileiro (colocação irritante) fosse se afastanto cada vez mais do dito português de Camões, embora este hoje tivesse mesmo em Portugal dificuldades de identificar uma placa de farmácia, pois o "ph" já ficou pelo caminho. Afinal. me parece onde o Acordo Ortográfico pudesse dar mais aporte a editoras brasileiras, seriam às especializadas em material didático, e não nos que editam Amado, Mia Couto ou mesmo Saramago. E nisso, na integração com a educação com outros países do Palop, mesmo sem acordos, o Brasil já está algo bem na frente em relação ao que Portugal tem plantado. Ou estarei eu muito enganado?
Claro que no meu comentário deixo de fora o tal programa que andaram a produzir na TV moçambicana, aparentemente semelhante com um que houve na TV portuguesa, pois não tive a oportunidade de o acompanhar, e ao que parece não devo ter perdido muito.
Um abraço do teu irmão, aqui plantado em "Terras Brasis"
Zé Paulo

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Depois da Eurocopa decide...

Foto: Estadão
Scolari admite a possibilidade de vir a treinar o time inglês Chelsea. A decidir depois da Eurocopa.
Bem mesmo ficava este homem no comando do Flamengo!

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Imparcialidade (!)

Jwlhiow - Debate

1a. Parte


2a. Parte

Por serem vídeos longos, indico que depois de clicarem no "Play", deixem em seguida, por alguns segundos, no "pause" até que carregue o suficiente para não se ver os vídeos aos soluços.

Que se deixe os soluços depois das risadas pelo desfile da falta de imparcialidade do mediador do debate e da performance dos dois, teóricamente, debatedores.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Sotaque português...ou Grupo dos Sete

Fonte da imagem: Site Banco de Sotaques (grande idéia, infelizmente não continuada)




Hoje falei ao telefone com sete pessoas em algum lugar de Lisboa. Em uma das vozes um sotaque familiar com uma mistura de regiões brasileiras mas como base o sotaque português. As outras seis, com sotaque puramente portugues. Talvez por ter tido calma suficiente para falar com os donos destes sotaques, percebi, ou confirmei, como o sotaque português é bonito, soa bem.
Talvez esteja envolvida nesta minha impressão a energia que vinha dos donos das vozes e sotaques que ouvia do outro lado da linha, talvez...talvez, não! A Theo, a Marlene, a Isabella, a Margarida, a Clara e o Carlos Gil, donos destes sotaques, que aninhavam a recém chegada a Portugal, a minha irmã Tareca (que saudades!), são com toda a certeza pessoas também donas de uma especial energia.
Mas o sotaque português é mesmo bonito, pá!
E a Theo me enviou...

Grupo dos Sete, donos dos sotaques : Theo, Margarida, Marlene, Tareca,

Carlos Gil, Clara e Isabella.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

“...quem questiona a soberania da floresta deveria passar por qualificações psicológicas.”


Surgem novamente vozes pelo mundo sobre a legitimidade, ou não, dos países onde a Floresta Amazônica faz parte dos seus territórios serem consideradas proprietárias da floresta em questão.
No passado, François Mitterrand, ex-presidente francês, e a ex-primeira-ministra britânica, Margareth Thatcher, já levantavam esta questão. Al Gore, quando vice-presidente americano, chegou a afirmar em 1989, "que ao contrário do que os brasileiros acreditam, ela não é prioridade deles, ela pertence a todos nós".
Desde os Séc. XVII e XVIII, quando ainda não se ouvia falar de aquecimento global, chegaram à Floresta Amazônica os primeiros naturalistas estrangeiros, americanos e europeus, para a estudar, para então ficarem entusiasmados com o potencial da região, alertando já na época a atenção do mundo para esta questão.
Na metade do Séc. XIX, um comandante americano, Matthew Maury, defendia a livre navegação internacional do Rio Amazonas.
Os Estados Unidos chegou a enviar uma embarcação, quebrando a soberania brasileira, para navegar pelo rio, em território brasileiro até Iquitos, no Peru, criando uma crise diplomática entre os dois países, Brasil e USA.
Mais tarde, em 1948, através da UNESCO, tentou-se por via da criação de um instituto, internacionalizar-se a administração da Amazônia, tentativa frustrada pelo Parlamento brasileiro.
Tínhamos, desde primórdios tempos, videntes sobre o aquecimento global ou cientistas, estrategistas, e empresários com uma visão clara do potencial da Floresta Amazônica?
Sem esquecer da importância desta Floresta para o Planeta, e a necessidade de melhorar a sua sustentabilidade, até porque o Hemisfério Norte já acabou com as que tinha, a frase que ouvi do novo Ministro do Meio Ambiente do Brasil, Carlos Minc, é o que posso e me apetece repetir:

“...quem questiona a soberania da floresta deveria passar por qualificações psicológicas.”


Mas em 2000, em uma palestra nos Estados Unidos, um estudante pediu ao político brasileiro, ex-governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque, o que pensava da internacionalização da Amazônia, e ainda solicitou que a resposta fosse a visão de um humanista e não de um brasileiro. A resposta já foi uma palestra de humanismo, humanismo com um grande sentido de soberania, que tão bem cai nesta novo ciclo de internacionalização das riquezas alheias:


"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade. Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado. Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveriam pertencer ao mundo inteiro. Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa."

sábado, 17 de maio de 2008

Há que torcer...


Se sou torcedor do Flamengo, sou torcedor maior do esporte como lição de esportividade, como lição de muito dos seus conceitos praticados que devem também ser usados nas nossas vidas fora das arenas esportivas.
Reforço que sou Flamengo, os meus filhos são Coritiba, vou ao campo com eles, e só não canto junto com os mesmos as músicas que incentivam a violência, e tento mostrar-lhes porque da minha posição.
Jamais, de forma consciente, alimentaria a perda de uma amizade, por menor que ela fosse, por pertencer a torcidas “futebolísticas” diferentes.
Mesmo consciente que na regra da exceção meia dúzia de jogadores tornam-se ícones da mídia e/ou de grande importância para a sociedade do planeta, como torcedor, o futebol para mim é só diversão.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Pisada de bola de Daviz Simango

Daviz Simango
Fonte da imagem: Canal de Moçambique
Daviz Simango anuncia que será candidato à reeleição nas autárquicas de Novembro, pela segunda cidade de Moçambique. Nada mais democrático.Aqui deste lado do mundo, embora não tenha amores pelo seu partido, as notícias que me chegam é que o mesmo vem fazendo um bom mandato.
Mas no seu discurso pré-eleitoral fez colocações de efeito que nada me soaram bem. Tudo bem que não é a mim que deve soar bem ou mal, afinal sou só um natural de Moçambique, mas antigo residente da Beira, e agora instalado em terras brasileiras.
De qualquer forma, não consegui ler, sem me arrepiar e me vir um sentimento de frustração por dele virem estas palavras:

a. "Vamos encostar os comunistas, como Tsavangirai encostou aquele madala de Mugabe. (...)”

Soa como falta de respeito com os madalas (idosos) moçambicanos, ao vincular um adjetivo tão respeitoso a uma figura de tão pouco respeito como o Mugabe.

b. "O trabalho de cada um de nós é muito importante. Não vamos permitir que nos roubem os votos. Não vamos permitir que nos humilhem na nossa própria terra. A Renamo tem que Governar"

Defendendo a união na Renamo, fala da Beira como “nossa própria terra”. Qual será o conceito de unidade que Daviz Simango terá para os moçambicanos?
Notícia completa no Canal de Moçambique.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Dia do ...




Lei Áurea (1888) - Abolição da Escravatura no Brasil.

...se eu multiplicar a minha idade por três o resultado é 141 anos, ou seja, um pouco mais dos que os poucos 120 anos que em terras brasileiras uma lei formalizou o fim da escravatura de seres humanos.
...hoje, através de leis equivocadas, como as cotas para negros e descendentes para as universidades, querem desqualificar a luta pela igualdade entre "raças", com "subsídios" educacionais virtuais, que a médio prazo só trarão ainda mais preconceito no ambiente profissional

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Sou parte do patrimônio cultural carioca

A torcida do Flamengo, por decreto do Prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, foi declarada oficialmente patrimônio cultural carioca.
Coisas que só acontecem no meu querido Rio de Janeiro! Mas que vai dar para cutucar as torcidas adversárias...vai, se vai!


Hino interpretado pelo saudoso Tim Maia.
Clip com belas imagens!

domingo, 4 de maio de 2008

Saudades

Hoje, na despedida no aeroporto, quando as lágrimas ainda eram disfarçadas.




A saudade quando está muito próxima, dói.
Estou louco para que o tempo ande rápido para que a saudade passe a ser a saudade agradável, a saudade de quem amamos e de quem um dia esperamos uma visita, e que a rotina não mais nos cobre o saber que a distância não é mais do que três ou quatro *quadras, e que não mais do que cinco minutos farão com que as minhas mãos possam estar a te dar apoio quando precisas.
Hoje, o peito apertado, da angústia da primeira fase da saudade, está dividido pelo espírito da grande torcida pela tua nova etapa, Tareca...
Falando em torcida, o nosso Mengo foi Bi-Campeão Carioca, ganhando de 3 X 1 do Botafogo. Que seja este o melhor dos sinais para ti, minha Irmã!

*quadras = quarteirões

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Liberdade de Imprensa - IV



Como bastante representativo, pelo o que está escrito na crónica e por abordar uma eleição na então Secção de Moçambique do Sindicado Nacional dos Jornalistas, em 1969, indico a leitura do post no link onde se poderá ler a crónica de Gouvêa Lemos, "Dias Eleiorais".

Liberdade de Imprensa - III


Quando foi fundada a Frelimo?
Blog “Sem Técnica”, em 25/03/2005

É costume dizer-se que o futuro de um país está nas crianças. O problema é que quem as educa são os adultos, mas em uma entrevista a um programa de rádio, no final da década de “50”, início da de “60”, Gouvêa Lemos respondeu a muito mais do que a pergunta pedia; conseguiu, ao meu ver, ao conceituar o que um jornal infantil deveria enaltecer, mostrar como ele gostaria de ver Moçambique.


Jornal Notícias – (Não tenho o registro da data, mas creio ser do fim da década de 50, início da de "60")


Retalho do programa radiofônico “Escola Nova” de Lisete Lopes


PERGUNTA: O que pensa da criação dum jornal infantil e qual a orientação a dar-lhe?
RESPONDE Gouveia Lemos

Toda a gente concorda que em qualquer literatura especificamente infantil, deve-se orientar-se pelo futuro dos homens em potencial, a quem se dirige, cultivando neles valores positivos do espírito.
As crianças estão a brincar no átrio da sociedade em que hão-de cumprir a sua vida; pois então que a literatura infantil as integre harmonicamente nessa sociedade, fazendo-as amar o próximo, estimar a paz, buscar o progresso da Humanidade.
Posta esta hipótese de ser editado um jornal infantil em Moçambique, decorre daquele pressuposto, que essa publicação terá de ser, além de indispensável divertimento e jogo intelectual à medida do entendimento dos seus leitores, algo mais que um jornal de quadradinhos, igual a tantos outros, importados, que por aí se vendem, tipo “stantard”, estereotipados na tipografia e no contexto. Para fazer mais um desses e gritar depois que o prefiram porque é local, vale mais estar quieto. Julgo que um jornal para as crianças de Moçambique tem um importante papel a cumprir e só poderá cumprir se for defendido, logo ao nascer, de certas deformações correntes, há muitos anos.
(Lembro-me, a propósito duma certa manhã de sábado, em que o meu filho mais velho chegou da Escola, impressionadíssimo e confuso, por causa duma história de piratas, que fora o tema duma prédica).
Ora, se tal jornal aparecer – e oxalá que sim – deverá colocar o seu leitor num pedestal, onde só cheguem sentimentos como a fraternidade, sobretudo, para além de raças. (ser mais claro, pois ninguém me acusará de racista, pelo meu anti-racismo). Um jornal infantil de Moçambique não pode conter, nas suas histórias, exclusivamente, heróis de caracóis loiros, como não deve inserir, subsidiariamente, histórias para africanos. É necessário que se crie uma literatura infantil bem nossa, isto é, que reflita esta sociedade que constituímos e sirva verdadeiramente à sociedade que pretendemos desenvolver.
Que em cada pequeno leitor se fecunde a matriz da igualdade e não se consinta no aparecimento de pragas como os preconceitos de que a Humanidade, tanto a custo e com derramamento de tanto sangue, se vem pelos séculos libertando.
Penso que, entre nós, a preocupação máxima, absorvente, de todos os instantes, na educação dos nossos filhos - que não são poucos mil, mas alguns milhões – deve ser essa. Portanto, na nossa quiçá nascente literatura infantil, o primeiro artigo dum programa de trabalho será relativo a essa preocupação, para que os meninos não venham a julgar-se, na melhor das hipóteses, protectores em vez de companheiros, padastros em vez de irmãos.
E outra preocupação deve ser a de não acarinhar e exaltar instintos bélicos nas crianças; nada de armas, basta de tiros.
Fale-se-lhes num mundo de paz, sem pistolas nem bombas, com toda a gente feliz, e explique-se-lhes que isso é possível, se todos os homens quiserem.
Sei que não disse nada relevante sobre literatura infantil, na generalidade; mas acredito que, hoje, não será inteiramente inútil dizer estas coisas que penso, sobre o futuro das crianças de Moçambique.

Liberdade de Imprensa - II


Série - Quando foi fundada a Frelimo?
Blog “Sem Técnica”, em 22/03/2005

O jornalista Gouvêa Lemos era cobrado pelos amigos, principalmente pelo José Craveirinha e o Eugénio Lisboa, que escrevesse a sério a sua poesia. Ele dizia que não tinha competência para tal, mas em um "tropeço" se contradiz no poema abaixo. Será que GL já percebia o colonialismo? Claro que sim, ele e muito mais gente. Outros nem tanto e outros tantos até viam e achavam que estava tudo muito certo.


Canção de Angónia

Visto a camisa lavada
e vou para
o contrato.
Quem de nós,
quem de nós irá voltar?
Vinte e quatro
luas,
sem ver as mulheres,
sem ver a minha terra,
sem ver o meu boi.
Quem de nós,
Quem de nós irá morrer?
Visto a camisa lavada
e vou
para o contrato,
trabalhar lá longe.
Vou para além da montanha,
para
lá do mato,
onde some o rio.
Quem de nós,
Quem de nós irá voltar?
Quem de nós,
Quem de nós irá morrer?
Veste a camisa lavada,
é
hora de ir ao contrato.
Entra, irmão, no vagão,
vamos andar noite e dia.
Quem de nós.
Quem de nós irá voltar?
Quem de nós,
quem de nós
irá morrer?
Quem de nós,
Quem de nós irá voltar
e ver as mulheres,
e ver nossas terras
e ver nossos bois?
Quem de nós irá morrer?
Quem de nós?
Quem de nós?

Gouvêa Lemos

Liberdade de Imprensa - I


Quando se comemora no dia 03 de Maio o Dia da Liberdade de Imprensa, não posso deixar de me lembrar de um dos maiores defensores dela ainda nos tempos da outra senhora, quando Moçambique ainda colônia portuguesa.
O jornalista Gouvêa Lemos deu a vida pela profissão e batalhava para que a mesma fosse limpa e em muito trabalhou em favor da liberdade da imprensa naqueles tempos de ditadura colonial, e fez escola no estilo de como driblar os órgãos censuradores para conseguir passar informações e/ou análises, através das suas crônicas, para os seus leitores.
Como forma de (sempre) homenagear o Jornalista e Pai Gouvêa Lemos, e o Dia da Liberdade de Imprensa, estarei aqui transcrevendo alguns post’s que fiz no meu antigo blog “Sem Técnica” em 2005. Esta séria de post’s intitulei na altura de “Quando foi fundada a Frelimo?”.


Série - Quando foi fundada a Frelimo?
Blog “Sem Técnica”, em 20/03/2005


Em 1962 materializou-se em organização, com generais e soldados, a Frente para Libertação de Moçambique, a Frelimo, que após a Independência transformou-se em partido político.
Mas antes disso já havia quem sentia as injustiças do fascismo colonialista em Moçambique e nas outras “Ultramarinas”.
Venho hoje falar especialmente em uma dessas pessoas, um jornalista renomado, que tinha a ética na ponta da sua pena. Pena que era a sua arma que se abastecia de munição no seu tinteiro.
Gouvêa Lemos assumia para si qualquer tipo de luta quando envolvia injustiças. Dentro do próprio meio jornalístico, não aceitava a falta de companheirismo e muito menos a ausência de ética. Foi assim com o Sr. Rui Cartaxana quando este escorregou em alguns momentos pelo plágio e em alturas que lutava, o Sr. Rui, por um lugar ao sol como representante em Moçambique no Sindicato Nacional de Jornalistas, foi assim mesmo quando nas suas opiniões cortantes acabou por apanhar uns murros do Dr. Ney Ferreira – um covarde, porque sabia que batia em um recém operado ao coração, e isso na década de sessenta – e o mais engraçado é que estes dois, talvez até mesmo com todas as divergências ainda assim houvesse por parte de ambos respeito por GL, acabam usando o nome do Gouvêa Lemos como ícone para uma troca de farpas entre eles, através de algumas edições de qual só tenho três exemplares (“Um Homem a Liquidar”, por Rui Cartaxana, “Tempo de acusar ou O Retrato dum retratista”, de Jose C. Ney Ferreira e do mesmo, “Tempo de Desmentir ou 24 Mentiras do Sr. Rui Cartaxana”).
Eram tempos de idealismos e GL era na sua essência um idealista. Eram tempos de se sonhar com uma imprensa independente. Mas ainda eram tempos onde os salários dos empregados de menor escalão eram prioridade, só que as contas, inclusive os alugueis das casas da COOP, não esperavam. Tempos em que muitos desses funcionários de menor escalão ajudaram a pôr o pão na mesa da família do GL.
Se no meio jornalístico Gouvêa Lemos não aceitava a injustiça e a falta de ética, assim lidava com a sociedade em um todo. Hoje coloco duas crônicas que estão mais direcionadas para o seu meio, mas mostram um pouco dos seus princípios: As Cartas Anônimas e Os Beatíficos Cretinos.
A questão que deixo, é onde ficaram os nomes como o de Gouvêa Lemos? Sei que ele faleceu precocemente, por ironias da vida, no mesmo ano do ultimo livrinho do Dr. Ney Ferreira (deu até tempo do mesmo comentar o facto no mesmo, tipo o cúmulo da rapidez que é o fechar a gaveta à chave e deixar a chave dentro), e que isso possa ter ajudado muita gente ter esquecido da importância que o mesmo teve para o jornalismo moçambicano e só por isso para a história de Moçambique.
Não por eu ser filho dele, mas pela certeza que o mesmo merece ser lembrado, o sem “SEM TÉCNICA” vai abrir um espaço para este que foi um dos maiores, senão o maior, jornalistas que Moçambique teve nos tempos de pré-independência e, para alguns dos seus companheiros.


AS CARTAS ANONIMAS – por Gouvêa Lemos
[In: Notícias da Tarde, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1:680, 27 de Novembro de 1957, p. 1]

Estou a ouvir aquela voz nortenha, franca e sã, com ressaibos de Miragaia, da Hora dos Pobres. O paciente senhor queixa-se das cartas anônimas que recebe e, muito a propósito, declara que mais valia terem ficado analfabetos os seus autores. Tem razão. Isto de saber ler e escrever começa a ser uma coisa horrível. Pelas libertinagens que ocasiona e pela coacçöes e inibições que traz.
- O senhor doutor sabe ler e escrever?
- Sim. Infelizmente, sei.
Também tinha razão o bacharel, que respondia ao burocrata.
É uma carga de trabalhos este dote de - tão simplesmente - saber ler e escrever. O que nos faz ler! O que nos apetece escrever...
Mas as cartas anónimas, essa miserável cloaca, para onde convergem os recalques e as misérias dos tais - que sabem ler e escrever é uma necessidade lamentável e tristíssima, como outras chagas de humanidade, que subsistirão, enquanto a humanidade não for melhor que isto. São a única justificação, a simples aplicação de muito diploma de instrução primária.
O único remédio conhecido, que pode resultar alguma coisa, na profilaxia de tal moléstia, é a coragem de não ler as cartas anónimas. Dominar a curiosidade, o sadismo, o masoquismo e antes de percorrer com os olhos todas as linhas, atirar ao lixo esses documentos de baixeza.
Mais efectivo, mais radical seria não aprender a ler.
Eu vou mesmo ao ponto de propor uma campanha de analfabetização.
Começa a haver gente de mais, que sabe ler e escrever...


OS BEATIFICOS CRETINOS – por Gouvêa Lemos
[In: Notícias da Tarde, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1:694, 13 de Dezembro de 1957, p. 1 e 5]

Passei dois anos fora e verifico hoje, contristado, que não melhoramos nada.
Continuam a medrar os miseráveis sujeitos, que não se aguentando em terreno livre, por estupidez, por ignorância ou por inaptidão, se escondem entre o capim e, rastejantes, nos mordem as canelas, com o veneno de certas acusações.
Já de pequeno me vem este asco por tais espécies de subfauna, que sempre nos rodeiam e espiam. Embirrava, profundamente, na escola, com os maricas, useiros e vezeiros na queixinha à senhora professora.
E afinal quando nos corrigiremos - melhor quando se corrigirão esses crápulas do vício de ver inimigos em todos quantos não entendem bem ou porque têm idéias e cultura ou mais desassombro, mais valentia moral ou ainda - simplesmente - são menos servis, menos sabujos, menos oportunistas, menos cínicos, menos inferiores na escala dos valores humanos? Continuamos na mesma tristíssima situação, que permite às lagartas comerem à mesa do banquete e chegamos até ao ponto de um infeliz despeitado qualquer destilar o pus dos seus despeitos infectados, guardando um covarde anonimato, característico de tais exemplares, para se vingar de colegas de Imprensa - ou ex-colegas - indo acusá-lo nas colunas de um semanário da Metrópole, conhecido pela sua coragem e galhardia. Neste ponto devemos lamentar que um vulto da envergadura do Prof. Jacinto Ferreira, que tanto admiro, tenha consentido no desaire, que põe em cheque o seu Debate, já que a garrafada saiu sem nome do mésinheiro responsável.
Devo declarar que não me enraivece nada não saber quem é o indivíduo.
O que posso garantir, sem medo de errar, é que o fulano deve estar bem - na vida prática. Deve singrar.
Não tenho nada com a história, pessoalmente, mas entendo que todos os que escrevem em jornais temos obrigações de solidariedade, uns com os outros - e o dever de colaborarmos na manutenção da higiene moral e social do meio em que vivemos.