sexta-feira, 2 de maio de 2008

Liberdade de Imprensa - I


Quando se comemora no dia 03 de Maio o Dia da Liberdade de Imprensa, não posso deixar de me lembrar de um dos maiores defensores dela ainda nos tempos da outra senhora, quando Moçambique ainda colônia portuguesa.
O jornalista Gouvêa Lemos deu a vida pela profissão e batalhava para que a mesma fosse limpa e em muito trabalhou em favor da liberdade da imprensa naqueles tempos de ditadura colonial, e fez escola no estilo de como driblar os órgãos censuradores para conseguir passar informações e/ou análises, através das suas crônicas, para os seus leitores.
Como forma de (sempre) homenagear o Jornalista e Pai Gouvêa Lemos, e o Dia da Liberdade de Imprensa, estarei aqui transcrevendo alguns post’s que fiz no meu antigo blog “Sem Técnica” em 2005. Esta séria de post’s intitulei na altura de “Quando foi fundada a Frelimo?”.


Série - Quando foi fundada a Frelimo?
Blog “Sem Técnica”, em 20/03/2005


Em 1962 materializou-se em organização, com generais e soldados, a Frente para Libertação de Moçambique, a Frelimo, que após a Independência transformou-se em partido político.
Mas antes disso já havia quem sentia as injustiças do fascismo colonialista em Moçambique e nas outras “Ultramarinas”.
Venho hoje falar especialmente em uma dessas pessoas, um jornalista renomado, que tinha a ética na ponta da sua pena. Pena que era a sua arma que se abastecia de munição no seu tinteiro.
Gouvêa Lemos assumia para si qualquer tipo de luta quando envolvia injustiças. Dentro do próprio meio jornalístico, não aceitava a falta de companheirismo e muito menos a ausência de ética. Foi assim com o Sr. Rui Cartaxana quando este escorregou em alguns momentos pelo plágio e em alturas que lutava, o Sr. Rui, por um lugar ao sol como representante em Moçambique no Sindicato Nacional de Jornalistas, foi assim mesmo quando nas suas opiniões cortantes acabou por apanhar uns murros do Dr. Ney Ferreira – um covarde, porque sabia que batia em um recém operado ao coração, e isso na década de sessenta – e o mais engraçado é que estes dois, talvez até mesmo com todas as divergências ainda assim houvesse por parte de ambos respeito por GL, acabam usando o nome do Gouvêa Lemos como ícone para uma troca de farpas entre eles, através de algumas edições de qual só tenho três exemplares (“Um Homem a Liquidar”, por Rui Cartaxana, “Tempo de acusar ou O Retrato dum retratista”, de Jose C. Ney Ferreira e do mesmo, “Tempo de Desmentir ou 24 Mentiras do Sr. Rui Cartaxana”).
Eram tempos de idealismos e GL era na sua essência um idealista. Eram tempos de se sonhar com uma imprensa independente. Mas ainda eram tempos onde os salários dos empregados de menor escalão eram prioridade, só que as contas, inclusive os alugueis das casas da COOP, não esperavam. Tempos em que muitos desses funcionários de menor escalão ajudaram a pôr o pão na mesa da família do GL.
Se no meio jornalístico Gouvêa Lemos não aceitava a injustiça e a falta de ética, assim lidava com a sociedade em um todo. Hoje coloco duas crônicas que estão mais direcionadas para o seu meio, mas mostram um pouco dos seus princípios: As Cartas Anônimas e Os Beatíficos Cretinos.
A questão que deixo, é onde ficaram os nomes como o de Gouvêa Lemos? Sei que ele faleceu precocemente, por ironias da vida, no mesmo ano do ultimo livrinho do Dr. Ney Ferreira (deu até tempo do mesmo comentar o facto no mesmo, tipo o cúmulo da rapidez que é o fechar a gaveta à chave e deixar a chave dentro), e que isso possa ter ajudado muita gente ter esquecido da importância que o mesmo teve para o jornalismo moçambicano e só por isso para a história de Moçambique.
Não por eu ser filho dele, mas pela certeza que o mesmo merece ser lembrado, o sem “SEM TÉCNICA” vai abrir um espaço para este que foi um dos maiores, senão o maior, jornalistas que Moçambique teve nos tempos de pré-independência e, para alguns dos seus companheiros.


AS CARTAS ANONIMAS – por Gouvêa Lemos
[In: Notícias da Tarde, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1:680, 27 de Novembro de 1957, p. 1]

Estou a ouvir aquela voz nortenha, franca e sã, com ressaibos de Miragaia, da Hora dos Pobres. O paciente senhor queixa-se das cartas anônimas que recebe e, muito a propósito, declara que mais valia terem ficado analfabetos os seus autores. Tem razão. Isto de saber ler e escrever começa a ser uma coisa horrível. Pelas libertinagens que ocasiona e pela coacçöes e inibições que traz.
- O senhor doutor sabe ler e escrever?
- Sim. Infelizmente, sei.
Também tinha razão o bacharel, que respondia ao burocrata.
É uma carga de trabalhos este dote de - tão simplesmente - saber ler e escrever. O que nos faz ler! O que nos apetece escrever...
Mas as cartas anónimas, essa miserável cloaca, para onde convergem os recalques e as misérias dos tais - que sabem ler e escrever é uma necessidade lamentável e tristíssima, como outras chagas de humanidade, que subsistirão, enquanto a humanidade não for melhor que isto. São a única justificação, a simples aplicação de muito diploma de instrução primária.
O único remédio conhecido, que pode resultar alguma coisa, na profilaxia de tal moléstia, é a coragem de não ler as cartas anónimas. Dominar a curiosidade, o sadismo, o masoquismo e antes de percorrer com os olhos todas as linhas, atirar ao lixo esses documentos de baixeza.
Mais efectivo, mais radical seria não aprender a ler.
Eu vou mesmo ao ponto de propor uma campanha de analfabetização.
Começa a haver gente de mais, que sabe ler e escrever...


OS BEATIFICOS CRETINOS – por Gouvêa Lemos
[In: Notícias da Tarde, Lourenço Marques, ano VI, nº. 1:694, 13 de Dezembro de 1957, p. 1 e 5]

Passei dois anos fora e verifico hoje, contristado, que não melhoramos nada.
Continuam a medrar os miseráveis sujeitos, que não se aguentando em terreno livre, por estupidez, por ignorância ou por inaptidão, se escondem entre o capim e, rastejantes, nos mordem as canelas, com o veneno de certas acusações.
Já de pequeno me vem este asco por tais espécies de subfauna, que sempre nos rodeiam e espiam. Embirrava, profundamente, na escola, com os maricas, useiros e vezeiros na queixinha à senhora professora.
E afinal quando nos corrigiremos - melhor quando se corrigirão esses crápulas do vício de ver inimigos em todos quantos não entendem bem ou porque têm idéias e cultura ou mais desassombro, mais valentia moral ou ainda - simplesmente - são menos servis, menos sabujos, menos oportunistas, menos cínicos, menos inferiores na escala dos valores humanos? Continuamos na mesma tristíssima situação, que permite às lagartas comerem à mesa do banquete e chegamos até ao ponto de um infeliz despeitado qualquer destilar o pus dos seus despeitos infectados, guardando um covarde anonimato, característico de tais exemplares, para se vingar de colegas de Imprensa - ou ex-colegas - indo acusá-lo nas colunas de um semanário da Metrópole, conhecido pela sua coragem e galhardia. Neste ponto devemos lamentar que um vulto da envergadura do Prof. Jacinto Ferreira, que tanto admiro, tenha consentido no desaire, que põe em cheque o seu Debate, já que a garrafada saiu sem nome do mésinheiro responsável.
Devo declarar que não me enraivece nada não saber quem é o indivíduo.
O que posso garantir, sem medo de errar, é que o fulano deve estar bem - na vida prática. Deve singrar.
Não tenho nada com a história, pessoalmente, mas entendo que todos os que escrevem em jornais temos obrigações de solidariedade, uns com os outros - e o dever de colaborarmos na manutenção da higiene moral e social do meio em que vivemos.

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