sexta-feira, 2 de maio de 2008

Liberdade de Imprensa - III


Quando foi fundada a Frelimo?
Blog “Sem Técnica”, em 25/03/2005

É costume dizer-se que o futuro de um país está nas crianças. O problema é que quem as educa são os adultos, mas em uma entrevista a um programa de rádio, no final da década de “50”, início da de “60”, Gouvêa Lemos respondeu a muito mais do que a pergunta pedia; conseguiu, ao meu ver, ao conceituar o que um jornal infantil deveria enaltecer, mostrar como ele gostaria de ver Moçambique.


Jornal Notícias – (Não tenho o registro da data, mas creio ser do fim da década de 50, início da de "60")


Retalho do programa radiofônico “Escola Nova” de Lisete Lopes


PERGUNTA: O que pensa da criação dum jornal infantil e qual a orientação a dar-lhe?
RESPONDE Gouveia Lemos

Toda a gente concorda que em qualquer literatura especificamente infantil, deve-se orientar-se pelo futuro dos homens em potencial, a quem se dirige, cultivando neles valores positivos do espírito.
As crianças estão a brincar no átrio da sociedade em que hão-de cumprir a sua vida; pois então que a literatura infantil as integre harmonicamente nessa sociedade, fazendo-as amar o próximo, estimar a paz, buscar o progresso da Humanidade.
Posta esta hipótese de ser editado um jornal infantil em Moçambique, decorre daquele pressuposto, que essa publicação terá de ser, além de indispensável divertimento e jogo intelectual à medida do entendimento dos seus leitores, algo mais que um jornal de quadradinhos, igual a tantos outros, importados, que por aí se vendem, tipo “stantard”, estereotipados na tipografia e no contexto. Para fazer mais um desses e gritar depois que o prefiram porque é local, vale mais estar quieto. Julgo que um jornal para as crianças de Moçambique tem um importante papel a cumprir e só poderá cumprir se for defendido, logo ao nascer, de certas deformações correntes, há muitos anos.
(Lembro-me, a propósito duma certa manhã de sábado, em que o meu filho mais velho chegou da Escola, impressionadíssimo e confuso, por causa duma história de piratas, que fora o tema duma prédica).
Ora, se tal jornal aparecer – e oxalá que sim – deverá colocar o seu leitor num pedestal, onde só cheguem sentimentos como a fraternidade, sobretudo, para além de raças. (ser mais claro, pois ninguém me acusará de racista, pelo meu anti-racismo). Um jornal infantil de Moçambique não pode conter, nas suas histórias, exclusivamente, heróis de caracóis loiros, como não deve inserir, subsidiariamente, histórias para africanos. É necessário que se crie uma literatura infantil bem nossa, isto é, que reflita esta sociedade que constituímos e sirva verdadeiramente à sociedade que pretendemos desenvolver.
Que em cada pequeno leitor se fecunde a matriz da igualdade e não se consinta no aparecimento de pragas como os preconceitos de que a Humanidade, tanto a custo e com derramamento de tanto sangue, se vem pelos séculos libertando.
Penso que, entre nós, a preocupação máxima, absorvente, de todos os instantes, na educação dos nossos filhos - que não são poucos mil, mas alguns milhões – deve ser essa. Portanto, na nossa quiçá nascente literatura infantil, o primeiro artigo dum programa de trabalho será relativo a essa preocupação, para que os meninos não venham a julgar-se, na melhor das hipóteses, protectores em vez de companheiros, padastros em vez de irmãos.
E outra preocupação deve ser a de não acarinhar e exaltar instintos bélicos nas crianças; nada de armas, basta de tiros.
Fale-se-lhes num mundo de paz, sem pistolas nem bombas, com toda a gente feliz, e explique-se-lhes que isso é possível, se todos os homens quiserem.
Sei que não disse nada relevante sobre literatura infantil, na generalidade; mas acredito que, hoje, não será inteiramente inútil dizer estas coisas que penso, sobre o futuro das crianças de Moçambique.

Nenhum comentário: