sábado, 2 de fevereiro de 2008

Cotas para universidades, integração ou desintegração social?

Fonte da Imagem: Projeto Beija-Flor


Porque eu traria um já batido assunto, que é a questão das cotas para negros ou pardos para as universidades brasileiras?
Esta semana fiquei sabendo que um filho de um grande amigo meu, este amigo moçambicano e filho de portugueses brancos, casado com uma brasileira descendente também de europeus brancos, acabou de se classificar, o tal filho do meu amigo, em uma universidade usando-se das cotas para negros ou pardos. Para isso apresentou um documento que o pai havia nascido em Moçambique, África, e mostrando uma fotografia do pai, bem moreno, mais para indiano do que para mulato, na verdade côr resultado de muita praia. A senhora que atendeu o rapaz, não teve dúvidas e classificou-o, sendo descendente de europeus tanto por parte de mãe como de pai, como pardo, e usufruiu o mesmo das cotas de forma indevida.
É o que acontece quando as leis não têm nem mesmo base técnica para serem executadas.
Quando eu soube, tive a reação de incriminar a atitude do rapaz, mas conceitualmente acabo por achar que é mesmo uma forma de debochar e de desestruturar uma lei que não cabe, ao meu ver, para este país.
É evidente que o racismo está entranhado na sociedade brasileira, não tivesse sido este país povoado (e despovoado) por uma colonização lusitana. Se o racismo por aqui não é formal, não conhecemos KKK, como disse António Paim na sua crônica no Estadão, e nem um apartheid como se viu no recente Séc. XX na República da África do Sul, o racismo na sociedade brasileira fica também na forma humilhante e disfarçada nas questões sócio-econômicas.
Antes de continuar, colocarei aqui alguns números estatísticos para que possamos avaliar melhor o que penso.

A)
97% dos universitários são brancos
2% dos universitários são negros
1% dos universitários são amarelos

* Dados do Prof. José Jorge Carvalho, quando da sua proposta do sistema de cotas, em 2002.

B)
45% da população brasileira é negra

C)
64% de negros representam a população pobre do Brasil
69% de negros representam a população de indigentes (extrema pobreza) do Brasil

D)
População aproximada do país: 250 milhões
53, 9 milhões de pobres


Haverão outras estatísticas para serem avaliadas, embora os números sejam muito perigosos e sejam sempre um tanto tendenciosos, conforme as interpretações de quem os olhe. Mas não há quem possa duvidar que o Brasil não seja o melhor exemplo da dita “democracia racial”.
Podemos, com contas simples, concluir que temos no Brasil uma população aproximada de 112,5 milhões de negros, sendo que 34,5 milhões são pobres, que em um país extremamente injusto socialmente apresenta nesta faixa da sociedade, seja branco ou negro, com um acesso a uma escola pública de ensino fundamental de baixíssima qualidade.
Ou seja, infelizmente, mesmo que fossem brancos, é complicada a possibilidade de chegarem a uma Universidade Pública, gratuita, onde os alunos da classe média alta e classe alta do ensino fundamental que estudaram sempre em colégios particulares dos bons e melhores, e que agora são os maiores concorrentes às vagas das Universidades públicas, por serem estas gratuitas e por serem consideradas na média melhores que a maioria das particulares, passando a ser um bom item no currículo para o futuro profissional só pelo facto de ter conseguido ingressar na “x” Universidade Federal.
Confundem-se aí as soluções da integração social com a integração racial.
Até porque há avaliações que demonstram que há maior evasão da escola das crianças negras do que das crianças brancas, quando na faixa de 11 aos 14 anos. E nisso deve-se avaliar o que está acontecendo e trabalhar já nessa fase da formação dos futuros, em potencial, universitários. E aí sim, poderá ser uma má atuação da escola perante as diferenças de relacionamento enrustidas raciais que poderão estar gerando essa diferença de atitude entre as crianças negras e brancas (Disse o Prof. Carvalho, lá em 2002, que dentro dos 25% mais pobres, nas crianças desta faixa etária, 44,3% dos brancos estão na segunda fase do ensino fundamental, e das negras só 27,4%).
Sobre a entrada dos negros nas faculdades, que se trabalhe com cotas para as Universidades Públicas vinculando-se a quem sempre estudou em Escolas Públicas, que assim se dará maior espaço nestas para a classe média baixa e pobres e onde automaticamente os negros também estarão inseridos. E aí sou bastante radical. Que as cotas representem mais que os 50% que já se tem no Estado do Rio de Janeiro também com este critério, além dos das cotas para os negros. De qualquer forma o Rio de Janeiro pelo menos já tem algo mais do que uma decisão federal que mascára uma solução racial e que poderá sim criar problemas futuros para os profissionais negros que “usufruíram” das cotas-esmolas.
Depois, as questões raciais no mercado de trabalho, onde também é sabido, inclusive nas classes mais altas, que o negro tem salários médios mais baixos do que o branco, não haverão de ser resolvidos por “cotas” ou "subsídios" do governo, e sim por movimentos de cidadania, de orgulho como raça, não pedindo licença para poder sentar na mesma mesa, e sim ir-se sentando, orgulhosamente se sentando.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bem analisado esta questão. Acho que o paternalismo não ê o caminho a ser tomado para que vários segmentos raciais e sociais de uma sociedade possam alcançar um lugar na universidade e melhor futuro profissional.
O combate e prevenção contra essa desigualdade deve começar já nas creches, escolas primárias e segundárias. Dando apoio financeiro às familias menos favorecidas econômicamente, independentemente se são de origem índia, afro, européia ou asiática.
Há que melhorar o ensino pseudo-liberal atual das escolas públicas que resolveu que reprovar quem não estuda - por preguiça ou por ter menos chances e estruturas sociais - é um injustiça maior do que simplesmente aprovar, mesmo sem qualificações. Prorrogando assim um problema que deveria se resolver na raiz, ao invés de deixarmos alunos se iludirem na base de suas vidas até esbarrarem com realidade dura na sua adolescência.

Ensino é direito de todos e dar condições sociais e financeiras para o exercício desse simples direito, é dever de todo o Estado que se diga responsável.

O Estado que não investe sério e conseqüente na Educação de seu povo, está criando "bombas de duas pernas" para a sociedade futura do seu país.
Veja-se a violência social, que comprovadamente tem aumentado na faixa de idade adolescente (sem futuro profissional). Independentemente do país ou continente que se queira analisar, vemos que a nossa geração, nascida nos anos 60, fracassou nesse sonho de se alcançar muitas igualdades humanas, que nos foram proibidas na nossa adolescência.

Em nome de um pseudo-liberalismo, a classe dos intelectuais e governantes de hoje, criada nas barricadas por mais direitos do passado, se acomodou em frente ao espelho de si mesmo. Desenvolveu uma linguagem eloqüente em que só nós entendemos, e que na prática muito pouco fez por quem acreditamos ter direito.

A Utopia de direito de educação de bom nível para todos não virou realidade. Nesse campo o Estado fracassou porque não cumpriu o seu dever como Tutor dos que suam pesado horas e anos a fio, e nada ganham em troca por esse esforço.

Antonio Maria