sábado, 22 de setembro de 2007

Carta para Zé Paulo

Em 1971, quando GL em visita ao Brasil, Toel (irmão e autor desta carta), Celina (esposa do Toel), Maria do Carmo (esposa do Martinho), Martinho (irmão do GL), Dona Henriqueta (Mãe do GL), GL, Madalena (esposa e a sempre companheira do GL), em pé a Marina (esposa do Menau), Menau (irmão do GL), Nito (primo do GL), Wanda (amiga da família), e Micá (irmã do GL).
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Recebi um e.mail do meu muito querido Tio Toel, irmão do meu Pai, onde me envia um lindo texto que não poderia eu deixar de aqui colocar. Não como um comentário ao recente post "Documento do Jornalismo Luso-Moçambicano", mas como um novo post, uma declaração de um irmão que conheceu uma fase do meu Pai que eu não conheci.

Um beijo grande, meu Tio.

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Carta para Zé Paulo

No final da década de 40, mais alguém na nossa família preparava as malas para emigrar. Era o António Veríssimo – o Ninito – nosso irmão mais velho que, não vendo futuro em Portugal, partia para assumir um emprego na nossa colônia de Moçambique. Deixava mãe, cinco irmãos e a noiva – Maria Madalena - atrás da esperança de poder chamá-la em breve. Embora há muito tempo a nossa convivência tivesse diminuído – ele trabalhando no Peso da Régua e eu no seminário – ele era o líder. Não apenas porque fosse o mais velho, mas porque era o mais inteligente, o mais precoce nas suas idéias e debates em família, o mais esclarecido e maduro no seu senso de justiça, o mais terno. E, como se isso não bastasse para admirá-lo, ele tinha com o belo sexo o charme e poder de conquista que nós, irmãos, gostaríamos de ter um dia.
Dizem que a tuberculose nos torna mais sensíveis, mais carentes. No fundo, não me conformava com aquela ausência para regiões tão remotas, uma separação que parecia definitiva como uma amputação.
Estava no Vilar em tratamento, aspirando a uma cura que tardava demais, quando, numa certa madrugada, o Antonio Veríssimo entrou no meu quarto para se despedir. Ao vê-lo aproximar-se apressado, abracei-o, retive-o, e caí em prantos. Na sua surpresa e embaraço, senti que ele não sabia quanto o amava. Até àquele momento, também eu não sabia.
Passaram-se anos. Os anos vividos em Moçambique que filhos, amigos e ex-colegas de trabalho sabem relatar com melhor conhecimento de causa.
Nesse meio tempo, nós, os 5 que ficámos, emigrámos para o Brasil com a nossa Mãe. Aqui, com o passar dos anos, acabei trabalhando como diretor de arte em agências de propaganda, mergulhando fundo num sistema em que os jornais se sustentam vendendo as suas páginas , centimetro a centímetro - as suas páginas e a sua opinião. Nessa engrenagem voraz, o jornalista muitas vezes amolece, manda às favas os seus ideais e se vende para sobreviver e melhorar o saldo bancário. Isso, mais a cultura de mercado que relegou para segundo plano antigos valores, têm a sua força de persuasão.
Em Moçambique, com Gouveia Lemos, o sistema era outro, mas o leilão de almas era o mesmo. Com seis filhos para criar e saldo negativo na conta bancária, não faltaram assédios, manobras de todo o género para seduzi-lo a amolecer e mudar de lado. Resistiu irreversivelmente como Homem maiúsculo "de um só rosto e uma só fé, de antes quebrar que torcer". Com a saúde abalada pela exaustão emocional, o coração seriamente comprometido, emigrou para o Brasil com a família, para aqui morrer, vítima das suas feridas e desencantos.
Este seu irmão, hoje aposentado da propaganda e entregue à pintura, mantém o retrato de Gouveia Lemos bem no alto da parede do ateliê, como um troféu. Como um troféu e , ao mesmo tempo, como um ponto de interrogação sobre os mistérios da vida e da morte.
"Evanescências" vem sendo o tema da minha pintura, inspirado no inconformismo com o efêmero da condição humana. Com a imagem de Gouveia Lemos sobranceira às minhas pinceladas, ele vem sendo certamente um dos maiores inspiradores desse inconformismo.
Em contrapartida, como legado de família e do seminário, resta-me a fé num outro mundo, um mundo virado do avesso, onde, soberana e definitiva, reine a justiça, especialmente para aqueles que, por ela e de tanto amá-la, sofreram perseguição.
Em Ipanema, bebendo uma laranjada, olhando o mar e a linha do horizonte onde naufragaram os seus sonhos, Gouveia Lemos dava o seu último suspiro. Segundo minha crença, não foi por mera coincidência que nesse dia o sol brilhava sereno. E era Domingo de Páscoa da Ressurreição

5 comentários:

Anônimo disse...

Xiii, este post me fez comover.
Beijo ao autor (tio) e ao sobrinho ZP, IO.

Anônimo disse...

Esta declaracao de amor de irmao para irmao eh bontita de se ler.
Obrigado meu tio

Antonio Maria

Anônimo disse...

Tio nem preciso dizer o quanto me emocione... beijo para a tia e um grande para si Tareca

Anônimo disse...

e incrivel as voltas que o mundo da, e aquilo que chamamos coincidencias. fiquei abismado ao dar com ese blog, que me fez lembrar tod uma familia que sempre gostei. sou luis lopes (gondola)e gostaria de contactar com todos vos.vivo na australia desde que sai dai.meu email e luislopes56@hotmail.com
ciao saudades de todos

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Gondola,
Chamuar...começar 2008 encontando um cangurú aqui na minha Lanterna é realmente o melhor dos presentes.
Amanhã (hoje) estarei espalhando a notícia ao resto da família e a escrever-te um mail.
Feliz 2008 para ti e para a tua trupe.