quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Suíça - A Neutralidade ou os interesses comerciais? PARTE 2


Por António Maria Gouveia Lemos

Se levarmos em conta que a produção de armamentos leves e pesados, está entre os cinco primeiros produtos manufacturados da balança de exportação suíça, perceberemos que não há maior paradoxo que este país possa apresentar. (Os principais produtos manufacturados de exportação são: máquinas industriais, aparelhos de ponta e alta precisão, químicos e farmacêuticos, relógios e ...armas!)

Comercialmente apóia alguns dos Estados mundialmente desrespeitadores dos direitos humanos, e ao mesmo tempo diz nos tapetes da diplomacia internacional, defender os princípios democráticos e Humanos. (Paquistão, Burma, Somália, China...são só um dos "Pequenos Príncipes" da numerosa Lista de Sonhos ,"Märchen-Liste", que este ano bateu todos os recordes de exportação.)

Esta semana o parlamento local (Bundesrat), num acto de coragem e consequência ético- política, digno se tirar o chapéu em sinal de respeito, sugeriu que o avião de fabricação suíça "Pilatus", (fabricado para treinamento de pilotos militares), não constasse mais de produtos a exportar, aos países que se encontrem em regiões politicamente instáveis. Visto que está provado em filmes e fotografias amadoras, que mesmo que no contracto de venda esteja escrito que só se pode usar para treinamento, é um avião que com poucas mudanças, vem sendo preparado e usado em guerras.

Enfim, a cláusula desse contracto é mais um conto de fadas que nem mesmo suíço quer acreditar, e por isso resolveu tomar as devidas providências. Um primeiro passo, uma atitude nunca tardia, no sentido moral dos valores éticos e humanos que diz defender.

Claro que onde se pisa calos, há quem grite. Neste caso foi o senhor Oskar Schwenk, da Empresa fabricante do Pilatus, que ao defender o pão dele, que azeda a sopa da neutralidade nacional, disse irritado; "... já estamos há tempos em conversação com a China e se agora ouço que não se pode vender esse avião a países que avançam com armas contra o seu próprio povo, então depois do que aconteceu em Tibete, podemos esquecer esse contracto..." Como se a violência do Tibete fosse só a única coisa que a China fez contra os valores defendidos pela constituição e diplomacia suíça. (Logo a China, usurpadora das florestas africanas, organizadora das Olimpíadas da Poluição, da falta de liberdade de imprensa, dos presos políticos, etc... não deveriam faltar argumentos para não se vender mais armas. )

Nessa histeria de se defender o direito de ser neutral e ao mesmo tempo se poder vender o avião Pilatus para países que se sabe serem corruptos, não cumprirem com os contractos e até se fazerem de intermediários para um comprador final, houve quem soltasse a máxima ;"... se for assim, então não podemos vender mais nada, pois até carrinho de bebe se pode transformar em carro-bomba" (!?)

É triste que dentro desse país, em muitos sentidos sociais e políticos mundialmente exemplar, o nível de argumentação desça a níveis tão arrogantes e baixos.

Às vésperas de mais 1° de Agosto*, comemoração nacional da Confederação Helvética, esperamos que esta crise de identidade e princípios tenha chegado na hora certa., assumindo política e comercialmente os valores e interesses que lhe são mais importantes e caros. Chegou a hora de pular de cima do muro, assumir o lado que irá escrever a sua História futura. E que a diferença entre o "faça o que eu digo, e não faça o que eu faço", deixe de ser a frase mais adequada para a política actual da límpida cruz branca, sobre o manto vermelho.

*A crónica foi escrita em julho, e só agora reproduzida aqui na Lanterna.

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