terça-feira, 24 de junho de 2008

Zonué e Gouvêa Lemos por Moreira de Carvalho

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Esta semana, conversando com o Tio Zé Moreira, hoje em Natal, Rio Grande do Norte, ao relembrar o Zonué, onde tive a oportunidade de morar um período em casa destes Tios muito queridos, Zé e Augusta, na década de 60, pedi-lhe que me escrevesse algo sobre esta região moçambicana.
O mesmo me propôs relatar um episódio passado lá com o meu Pai.
Pão com mel ! Adorei a idéia e no dia seguinte já cá tinha o texto.
Depois foi só ir ao antigo álbum de fotografias e encontrar uma que representasse bem o tema e encontrei uma onde se vê a casa da Herdade Boa Entrada, o casal José e Augusta Moreira de Carvalho, sócio no. 01 da COOP – Cooperativa de Tabaco do Chimoio, o sr. Abreu, técnico da Cooperativa, e a sua esposa, e o casal António e Madalena Gouvêa Lemos (da esquerda para a direita).
Como algo interessante, embora fora do contexto, o José Moreira de Carvalho, depois da Independência de Moçambique, como estrangeiro cooperante, ficou dois anos como técnico responsável pela produção, função anteriormente exercida pelo seu amigo Abreu que já havia partido para Portugal.
Mas hoje, o “post” foi-me dado de presente e está reproduzido abaixo.
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Zonué se chamava a região moçambicana onde se localizava a minha fazenda.
Ali eu, minha Mulher e Filhos, vivemos durante duas décadas, alguns dos anos mais felizes de nossas vidas. Mas não é isso que quero falar agora.
Me pediste para te falar de uma crônica para o NOTÍCIAS DA BEIRA que da minha fazenda o teu Pai, o saudoso Gouvêa Lemos (mais meu irmão do que cunhado...) escreveu e que de certo modo me dizia respeito.
Era final dos anos sessenta, começo ou meados de Novembro. Havia mais de um mês que não chovia em toa a região de Chimoio e Manica, e nós agricultores estávamos desesperados vendo morrer pela seca todas as nossas plantações, no meu caso, de tabaco "virginia". Teu Pai tinha chegado uns dias antes para "cobrir" a grande seca e fazendo base em minha casa, todos os dias percorria outras fazendas de região, ouvindo os agricultores e constatando os prejuízos.
À noite, quando regressava, nos sentávamos no jardim, tentando apanhar um pouco de fresco, bebendo um "copo", e ele relatando o que tinha constatado. Só comentávamos a desgraça que a seca estava causando, a falta de apoio do governo aos agricultores, que se desesperavam sem saberem como iriam pagar os seus compromissos, financiamentos, etc. ... Eu então não parava de me lamentar.
Acontece, que ao fim de mais de trinta dias, a chuva veio em uma noite exatamente quando estávamos batendo papo no jardim. Veio pra valer! Ninguém arredou pé ou correu para se abrigar na varanda. Todos, eu, a minha Mulher e os teus Pais (a tua Mãe também tinha vindo) e até o Justino e o Moresse, meus empregados de casa, ninguém arredou pé pois todos queríamos receber aquela chuva , tão ansiosamente esperada, e que na realidade se tornava a salvação da lavoura, como se costuma dizer.
Choveu abundantemente durante mais de uma hora. Quando parou nos limpamos, trocamos alguma roupa encharcada e então sim, as lamurias, preocupações e desespero que uma hora antes eu não parava de lamentar, deram lugar a uma euforia da minha parte. Eu sabia que, no dia seguinte, a minha plantação estava salva e que logo cedo eu podia percorrer o campo e ver as plantinhas de tabaco, que anteriormente mal se viam, todas verdinhas e prontas a se desenvolveram normalmente e prometerem uma boa colheita!
No dia seguinte fui ler a crônica que o teu Pai havia enviado para a redação do Jornal. Claro que não me lembro de tudo que ele escreveu; mas recordo-me bem de uma parte, depois dos comentários sobre as dificuldades dos agricultores em face a falta de políticas de apoio do governo, que dizia mais ou menos assim: ontem à noite um agricultor que me é fraternalmente muito querido, após aquela chuva abençoada já se esquecia da seca, dos prejuízos, das dividas de safra, enfim, de tudo o que minutos antes o atormentava, e cheio de alegria e entusiasmo me falava dos seus projetos para o ano seguinte, compra de novos equipamentos agrícolas, aumento da área de plantação, ou seja de investir mais ainda no seu único patrimônio!
E terminava mais ou menos assim: "afinal os agricultores são como as crianças qualquer chuva os deixa eufóricos, cheios de esperança, como de tivessem ganho o brinquedo que tanto desejavam."
De dezenas ou até centenas de crônicas escritas pelo Gouvêa Lemos, esta escrita da minha fazenda, falou fundo no meu coração e sempre a recordo com muita saudade, a mesma saudade com que recordo o Jornalista mais integro e independente que passou por Moçambique, onde ainda hoje é lembrado com admiração e respeito.
Meu caro Zé Paulo, desculpa ter-me alongado tanto, mas entre muitas coisas que me faltam, me falta a sabedoria do teu Pai de saber escrever "muito" em poucas palarvras.
Um abraço do teu velho tio
José Moreira de Carvalho.

26 comentários:

Anônimo disse...

Que saudades eu tenho do nosso Zónuè...obrigada, meu Pai pelas palavras que puseram os meus olhos a "chover"...
Bem haja!!
Puci

Anônimo disse...

O Zónuè, onde cresci é o unico lugar que jamais esqueço ... nem dos detalhes mais simples como as nossas brincadeiras Zé Paulo, ali de baixo daquela "árvore da borracha" ou no pé dos eucaliptos que limitavam o nosso jardim quando fazíamos as estradinhas e as Farms para brincarmos de "farmeiros"... lembrá-lo, ainda me engraxa o sorriso e me revigora a esperança. Valeu Pai !! Zé

Anônimo disse...

Ser do Zónuè merece dois Comentários...

Não sei bem porquê, mas na minha vaidade de ser a que ainda mais se identifica comigo é ser do ZÓNUÈ ... quase uma vacina que nos fêz industritíveis para as dificuldades da vida!!
Ser do Zónuè é mais uma, entre outras bem poucas maneiras que encontro pra sermos MCs.

Anônimo disse...

Oi tio, adorei a crônica, é sempre bom ouvir essas estórias de África. Adoro quando meu pai as conta e procuro aprender com elas. Um grande beijo do sobrinho:

Rodrigo

septuagenário disse...

Há vidas que são vividas como num filme. Ao serem contadas, quem as ouve e não viu, fica na dúvida se foi real ou é imaginação.

Todas as estórias teem principio meio e fim.

Há outras que não teem fim, ficam suspensas no tempo.

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Puci e Zé,
Ter voces aqui é completar o presente que o vosso Pai me deu com este texto.
Zé, o teu segundo comentário é de um verdadeiro MC. Já o primeiro, meu primo, meu amigo, me fez viajar na nossa infância, nas nossas grandes farm´s, com os tratores e outros equipamentos agrícolas que o teu Pai haveria de gostar de ter, à sombra dos eucaliptus, onde não faltava chuva nem sol, onde nas nossas estradas bem acabadas e detalhadas íamos a Manica, Vila Pery e até à Beira em segundos. As pobres carochas que eram o nosso gado, as lagartixas os nossos jacarés, enjauladas em mini-poços com telas feitas com pauzinhos, as formigas que passavam-se por algum outro animal... no fim da brincadeira tudo era solto, às vezes lagartixa sem cauda, e o problema maior o arrumar a tralha...
Xiiii...como é bom poder ter saudades!
Beijos para voces, aproveitando para dar aqui também um beijo ao primo jr. Rodrigo M.C.

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Septuagenário,
Obrigado pela visita e pelo comentário que aqui nos deixou.
Os meus cumprimentos.
Zé Paulo

Anônimo disse...

Meu Deus que saudades daquele cheiro, da terra, das árvores, do caminho que eu fazia descalça de casa para o escritório com a mãe a zangar-se por ir descalça, para as estufas buscar o cheiro das folhas a torrar.
Enfim coisas boas que passaram por nós.
Beijão grande grande
Bli

Luisa Hingá disse...

E eu me lembrei também do João. RIP

Abracinhos

Anônimo disse...

Sem palavras meu Tio, apenas um grande arrepio tomou conta do meu corpo.
Beijos à Tia Augusta e Zézinho, um bem grande e um bom haja para si.
Valeu Zé Paulo, beijocas
Bébé

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Bli,
Representante do MC mais madala.
Estou a ver a Tia Isabel a abrir os olhos e a dizer: Oh, Bli! Pôe umas sapatilhas antes que te constipes!
Um beijo, minha prima;
Zé Paulo

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Luisa,
Lembraste bem o João M.C., irmão não só da Bli, que aqui apareceu hoje, mas de todos nós. Com certeza o Zonué também ficou marcado por ele,como nós ficamos.
Um beijo.
ZP

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Bébé,
Não esperavas ver o Tio Moreira a colocar as suas histórias no papel?
Um dia ainda o convenço a contar alguma passada no Moinho, em Vila Pery.
Um beijo.
Zé Paulo

Anônimo disse...

O nosso tio Zè nos vez relembrar bons momentos ali passados.

Ao ler essa pequena passagem lembrei-me da professora D.estela que dava aulas da primera classe á quarta, numa só sala! Da grande Familia Martins, dos Nizas, do Dimene...do capataz Ernesto na sua motinha 50cc, etc,etc... Da serra das "duas mamas"..que nos deixava, os mais putos, a pensar nas " manacages" que nunca tinhamos visto nuas.

As estórias acumuladas entre aqueles cinco quilómetros que separavam as duas "farms" dos tios Manuel e Zé Moreira Carvalho, tantas vezes palmilhados ida-e-volta... e todas "farms"ali ao redor, dariam para encher muitas páginas de um livro que se chamaria "ZÒNUÈ - 60's to 80's or Amália Rodrigues and Janis Joplin.

Kanimabo tio Zè !

Tó Maria

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

"ZÒNUÈ - 60's to 80's or Amália Rodrigues and Janis Joplin"

Grande título para uma série de crónicas que poderiam ser escritas por todos nós.
O Lanterna Acesa ficaria orgulhoso.
Bli, Puci, Zézinho, Bébé, To Maria, Tio Zé, Tia Augusta, Tia Isabel, Manel, António Zé, Duarte, Tareca, Kikas, Jana, Terezinha,...vamos pensar nisso?

Zé Paulo

Anônimo disse...

Querido mano.
Acho uma bela idéía, quem sabe daí não sai um belo livro.
Estou pronta a colaborar.
Beijocas a todos os que aqui vieram e ao resto dos MCs.
Bébé

Anônimo disse...

Tio gostei, e dia a dia fui lendo cada um, como é bom sentir-vos a todos. É tão bom saber que temos tanto de bom para lembrar e sentir, mesmo que algumas não tão boas, mas isso faz parte da vida.
Tio adorei! Não é que todos têm uma boa veia para a escrita, rssss, Zézinho, me supreendestes ;)

Mano ZP, boa ideia a tua, o que não nos falta é histórias reais, rsss Força! Um volume só não basta :) Beijos a todos e dizer não caiu um sisco aqui no olho, mentiria rsss

Tareca

Anônimo disse...

Caraca ...isso é que é uma postagem "fémea" ...proficua ...dá e multiplica comentários bacanas.

Eta familia "cumpridaaaaaa"!!


Anônimo disse...

Queridos Filhos e Sobrinhos (na verdade estes tambem um pouco meus filhos)é meu sincero desejo vir agradecer-vos de todo o coracão os Vossos comentarios, alguns elogiosos de mais quanto a qualidade do texto, que fizeram ao meu escrito publicado no Lanterna Acesa. Como foi gratificante para mim ler as vossas palavras e principalmente que a união entre os MCs continua firme e forte como tem sido a nossa luta ao longo de todos este anos. Nem as grandes distancias que separam alguns de nós abalaram essa união e quando trocamos menssagens dá-nos ideia que estamos numa reunião bem familiar com tanta e tantas que fizemos no nosso saudoso Zonué.Agora aos meus 78 anos (chi! como estou kokuana mesmo...}ter a certeza dessa união que espero dure pro resto da vida, é motivo de muito orgulho pra mim! A todos Vos, especialmente aos meus Filhos Pussy e Ze, que amo de paixão e que são o o meu unico e valioso patrimonio que "construi", a todos repito o meu MUITO OBRIGADO MESMO! Ao remetente SEPTUAGENARIO que não tenho prazer de conhecer o meu obrigado tambem pelo seu comentario que calou fundo no meu coração. Quanto ao "livro" que alguns de vós estando sugerindo e para o qual eu já vizualizo a "capa" com a foto do morro TCHIOTO (que ficava na farm do Tio Manel) e algumas "manocas"de tabaco VIRGINIA a servirem de fundo ao titulo que fôr escolhido.Claro que alem de eu apoiar a ideia ficarei muito faliz de poder colaborar, ainda que modestamente, com algumas das muitas lembranças que retenho na memoria. Que venha o primeiro que ponha em pratica a ideia que, tenho a certeza, não faltarão seguidores.Meus queridos aqui fica,mais uma vez, a minha gratidão.Mil saudads do Tio Zé.

Anônimo disse...

"Recordar é Viver"evolto em pensamento para o "meu Zónué"e tudo me parece que foi ontem...Estou vendo a casa cheia na época de férias com os meus filhos Pussy e Zèzinho e toda a sobrinhada da Beira.O alvoroço era grande. Havia um troca-troca de roupa entre a Pussy e as primas da cidade grande mas o encantamento maior foi pelos sapatos vermelhos da Tareca...Que saudades desse tempo!Tempo que o meu marido me fez lembrar com o que escreveu no "LANTERNA ACESA".Maria Augusta moreira de Carvalho.

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Minha muito querida Tia Augusta!
Essa dos spatos vermelhos da Tareca,só a minha Tia para nos trazer à memória. rsrsrsrsr...
E giro é termos naqueles tempos a nossa querida Beira como cidade grande. Tá certo, era memso. Tudo é uma questão de relações.
Um beijo muito grande, minha Tia. E bem haja, de facto, o Tio ter aceito o desafio, e executado com tanta competência, quando solicitei que escrevesse algo para o Lanterna.
Um beijo minha Tia, um beijo meu Tio.
Zé Paulo

Anônimo disse...

Quando Conheci um dos vários Zé da Familia MC, logo pude ver intríseco no seu modo de olhar meigo, sincero e brilhante que nao era um Zé qualquer, era um Zé MC. Conheci e ainda estou conhecendo algumas particularidades da Familia MC, que por sinal... são realmente.... Lindas Histórias.
A Africa sempre esteve presente na minha vida, desde os tempos do colégio (quando tive meu primeiro contato com a cultura africana) e esse contato perdurou até a Universidade onde tive vários colegas africanos (sempre brilhantes)e hoje tenho o Zezito presente na minha vida.
O Zezito como costumo chamar o Zé Bento, me fez conhecr e perceber como é importante manter os lacos de familia mesmo que ela (a familia) esteja fragmentada pelo mundo, como é o caso da vossa...

Então é isso... queria deixar um beijo para todos os MC, em especial para aqueles que me abriram as portas da sua casa para que eu pudesse conhecer, na intimidade dos seus lares, parte da familia MC.
Maria Augusta, José Moreira e o José bento, obrigada por tudo!

Cybelle Fernandes!

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Cybelle,
Quem tem África no coração, a cultura africana na sua formação, tem que ser alguém com sensibilidade. E pessoas assim não têm dificuldades em abrir as portas dos MC´s.
Obrigado por este doce depoimento que fazes, em especial ao Zé Bento M.C. e ao Tios.
Zé Paulo

terezinha disse...

Eta familia grande! O tio fez rever os bons tempos dos MC africanos...diferentes em qualquer parte do mundo.Vivo em Moç e tenho esperança de lá voltar. Que saudades...ZONUE OYEHHHHHHHHHHHH

Anônimo disse...

o que aconteceu com o um milhao e meio de brancos que havia em africa ?

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Anônimo,
A maioria desses de mais de um milhãos de pessoas não estão em Portugal!

Zé Paulo