sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O João Perguntou (1)

Fonte da Imagem: Biblioteca Virtual
Me metralharam com algumas perguntas, onde o conceito central é o que seria para mim o significado de Independência. Da mesma forma que me perguntaram o significado desta, me perguntaram o que era Colonialismo. Quem foram, quem são e quem serão os grandes poderes coloniais. E relacionou, aos seus olhos, algumas possibilidades, sendo colônias dos EUA o Iraque, o Afeganistão, o Paquistão; do EU seriam Portugal, Grécia, Polônia, Estónia, Alemanha Oriental (!), Lituania, outros do Leste Europeu; do Brasil, a Argentina, o Paraguai, a Colômbia e o Uruguai foram as possibilidade que o questionador me colocou como sendo os colonizados. Ainda outros exemplos me colocou para depois ainda me perguntar quem serão os colonizados do Séc. XXI.
Esta rajada de perguntas e insinuações de possibilidades veio motivado de uma conversa, entre mim e uma outra pessoa, onde superficialmente se falou do passado de Moçambique nos seus tempos de colônia portuguesa.
Tenho que admitir que fiquei um tanto confuso com o barulho da rajada, pois não fiz uma relação clara entre aparentes sinônimos e situações similares, mas que questões temporais e estruturais denunciam as diferenças.
Estaria o meu questionador querendo saber de mim o que penso de um colonialismo estruturado a partir dos descobrimentos, que podemos também avaliar um tempo não de descobertas, mas sim de invasões, onde as motivações da busca de novos produtos mercantis e expansões religiosas acabaram por induzir com que povos, por meio da força e estratégias de corrupção se apoderassem da terra e da riqueza natural de outros povos, e ao retornarem à sua terra natal diziam ter descoberto novas terras, tal e qual como a população que lá estivesse também estivesse sendo descoberta como se fosse, em um primeiro momento uma espécie rara, e em um segundo momento, até como produtos?
Neste caso, haveremos depois que entender os processos de independência de forma diferente. No último dia 7 de Setembro, escrevi algo sobre a Independência do Brasil e fiz um rápido paralelo com o processo de Independência de Moçambique. Estou agora a falar de independências políticas, onde um povo, através dos seus líderes políticos e por movimentos populares, por vezes mais elitelistas, concluem que esta colonização deixou de fazer sentido, e isto por vários motivos.
Para alguns casos, até acreditam que nunca fez sentido, muito menos acreditar-se que se possa levar uma estrutura de colonização até meados do Séc. XX, onde a grande, mas muito grande mesmo, maioria de descendentes de nativos das colônias inglesas e portuguesas em África, as últimas a conseguirem as suas “alforrias”, eram claramente colocados pelos “moldes operantes” como inferiores em tudo. Como acesso à educação, como acesso à saúde, como acesso a empregos, especialmente em condições de igualdade, mesmo para aqueles que com grande esforço e através de pequenas brechas conseguiam atingir um bom nível de escolaridade.
Nestas colônias a luta e a conquista pela Independência foi muito em cima dos valores que se perderam e das humilhações que os colonizados passaram desde os tempos das “descobertas”. Só que uma parte de moçambicanos, já com outras descendências, mas também moçambicanos, acabaram por ficar em uma minoria e ainda empurrados por interesses menores por um processo estrutural extremamente complexo, que valeria um lençol talvez maior do que já vai aqui. Mas talvez tenha valor a leitura, com algum valor agregado para esta matéria, da Série "Moçambique – O meu Setembro de 1974".
Já nas Américas, os processos de Independências, nas sua grande maioria, como comentei no tal post sobre a Independência do Brasil, os movimentos vieram das elites. Os descendentes dos nativos quando participaram foram mais como fundo de pano. No Brasil, claramente os portugueses da colônia, para manterem os seus privilégios, decidiram-se tornar-se brasileiros e dar o Grito do Ipiranga usando a garganta de D. Pedro. Hoje, com pouquíssimo acesso a educação, os índios brasileiros são tratados como espécie em extinção, e alguns lugares, como peça de museu para serem visitados pelos turistas, e que para morarem nas terras que não podem ser invadidas por brancos (outras raças), se define os seus espaços por “reservas indígenas”. Afinal, quantos países temos no Brasil? Assuntos mal tratados na sua Independência que temos ainda reflexos nos dias de hoje. Na vizinha Bolívia, Evo Morales vem tentando recuperar as perdas que os povos indígenas sempre tiveram naquele país, e vem enfrentando grandes resistências das elites locais.
O Brasil tornou-se politicamente independente de Portugal, economicamente bem menos dependente deste, e em compensação automaticamente engravidou-se ainda mais economicamente à Inglaterra.
No Séc. XX, os tempos eram outros, tempos de Guerra Fria, tempos de Americanos e Soviéticos e mais um ou dois aliados de um lado ou do outro, e o resto bucha de canhão para estes brincarem de como evoluírem tecnologicamente. Tempos onde séries de TV como Guerra nas Estrelas eram o máximo. Brincadeiras, que embora com mudanças geopolíticas importantes nas últimas décadas, estão longe de acabar.
As lutas pelas independências no continente africano foram apoiadas pelo Bloco Vermelho, e o pós- independência ficou vinculado a estes países, política e economicamente.
O mundo viu a União Soviética ruir, a força dos conceitos capitalistas vingarem cada vez mais, a globalização dos tempos dos descobrimentos ficarem muito mais fortes no neo-colonialismo.
Por outro lado, o lado vil da globalização tem maltratado os países do terceiro mundo, e ajudado por estruturas corruptas, estruturas estas alimentadas pelo primeiro mundo, alimenta a lógica de muito colonialista convicto que o antigamente é que estava bom, sem mesmo se aperceberem que se há ainda hoje reflexos da sociedade de quinhentos anos atrás na sociedade atual, há situações geopolíticas e “geoeconomicas” não mais comparáveis.

4 comentários:

Anônimo disse...

Penso que o colonialismo deve ser separado da mentalidade imperialista, que no mundo moderno, tem tido vários regentes dependendo das áreas políticas.

No colonialismo havia acertos entre os colonizadores, com fronteiras demarcadas nos mapas e contractos de cooperação militar e económico.
No imperialismo económico, seja ele efectuado pela UE, USA, China, Russia ou Brasil, é algo mais subtil. Cria-se a dependência económica para depois exigir mais direitos de fundo económico. Os governos locais, quando honestos ainda podem diversificar os seus interesses económicos, dispersando assim o poder de alguma intenção subtil. O povo local se submete por auto-decisão. Talvez o sonho de virar mais um "proeminente-da-salsicha* da sociedade local, leva em conta só as vantagens materiais. Deixando por auto-decisão os valores humanos e de competência social, de lado. Há uma escolha, que o cidadão assume. O direito de escolha, continua existindo. Só se consome o que se quer consumir.
A pobre Africa mais uma vez importou algo que matará muitas crianças daquele continente, e no fim, além do próprio povo, ninguém será punido. (Me refiro aos produtos à base de leite contaminado da China)
Existe a corrupção,que não é de hoje, permitindo um governo fazer contractos internacionais que são contra o próprio povo, mas isso já é outro tema.

Já colonialismo era o domínio político na força. Ocupação militar, criação de novas leis e condutas e policiamento das mesmas. Não deixando direito de escolha aos cidadãos colonizados, a não ser partirem para a resistência política, ou se ajoelhar sob o poder exercido pelos colonizadores.

Claro que tanto numa como na outra filosofia, sempre foram os interesses económicos o motor de propulsão. Mas as diferenças de conduta social e política são enormes, para se colocarem as duas dentro do mesmo saco.

António Maria

Anônimo disse...

Até mesmo no Iraque dos Yankes, onde o imperialismo do "tio" Sam mais uma vez mostra as suas garras, existem jornais de oposição declarada.

Se ma Russia ou China de hoje, até dentro do seu território, jornalistas são assassinados, cidadãos estão presos sem julgamento, não se pode esperar que eles farão uma política imperialista, e sim de colonialistas, nas mais diversas repúblicas desses enormes países, subjugadas pela força.

Lembrem-se no Moçambique de Salazar o que é que acontecia a quem só falasse o que não era permitido pelo poder colonial se dizer em público.

No entanto a China ou a Russia, apesar de países ditatoriais, por mais que tenham os seus contractos comerciais não têm o poder de exigir um que um Brasileiro, Português, etc, pode dizer no seu país.

Há que separar o joio do trigo...

António Maria

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

"Penso que o colonialismo deve ser separado da mentalidade imperialista, que no mundo moderno, tem tido vários regentes dependendo das áreas políticas."

Este teu primeiro parágrafo é um bom resumo da tua ótima análise do tema.
E aproveito para reforçar a idéia equivocada de muitos defensores de que os erros atuais do do "neo-colonialismo económico" justificam os ideais de quem defendia os antigos impérios colonialistas, como a que se preservou, por exemplo, o de Portugal e as sua Ultramarinas até meados do Séc. XX.

Abração aqui deste lado do Atlântico,

Zé Paulo

septuagenário disse...

Havia uma "boca" muito comum, aquando do 25 de Abril, que era esta: COMO VAI CORRER MUITA COISA MAL COM AS INDEPENDÊNCIAS, OS COLONIALISTAS E SAUDOSISTAS VÃO ARGUMENTAR COM "EU BEM AVISEI", etc.

Só que ninguem imaginava que viesse a ser tão mau, e não só em Africa, mas em consequência em todo o sul da europa.

Para termo de comparação, um caso "luso": A favela da Rocinha no Rio (conheci em 1978/9), multiplicada várias vezes, em Bissau, Guiné: Droga, fome, insegurança, insalubridade, o que se possa relacionar com isto tudo.

Tudo o que se fale sobre as independências africanas, corremos o risco de falar contra milhões sem voz, em favor de uns milhares de tiranetes.

Um abraço