sábado, 27 de setembro de 2008

"O delírio e o supositório"

Imagem : Montagem
Por António Maria G. Lemos, em 25/09/08



Dizem que os povos de origem latina gostam de um drama. E quanto maior ele for, mais audiência e regozijo ele dará. Tudo bem, confesso essa nossa particularidade do gostar de chorar em massa. Parece que sózinhos não conseguimos ser tão tristes. (Como se no sangue de todos nós navegasse um gene de uma carpideira)

No entanto ao ver e ouvir ontem "Nephew Sam Jr.", vulgo Bush, falando para os americanos, tive a sensação de estar vendo a repetição de um filme barato já visto.

A última vez que ele apareceu na TV com aquela carinha de "mamãe, juro que não fui eu", o mundo inteiro viu uma nova guerra começar que até hoje não trouxe paz para o Iraque, nem para o mundo anti-terrorista. No entanto elevou o preço do petróleo e gás, lotou Guantanamo de presos ilegais, espalhou o ninho de extremistas pelo mundo a fora, e continua consumindo bilhões de dólares anuais. (Parece que as ações das empresas de armas e reservas naturais não caiem nunca!)

No entanto a carinha e a conversa dele parece ter surtido efeito. Para muitos é uma carinha tão convincente, que ajuda o paciente a relaxar, despir o seu traseiro e aceitar o remédio sem gemer.

Bush ao usar argumentos "explicativos" para a intervenção do Estado no mercado privado como; "se o Estado não interferir agora, vocês deixarão de ter uma agência bancária no seu bairro, não haverá bancos para darem o seu crédito agrícola, nem para comprarem a casa própria(?!)... a empresa onde trabalha pedirá concurso público por falta de reservas e você perderá o emprego....etc,etc,etc...por isso espero que a câmara de deputados e senadores aprove o nosso pacote econômico de salvação nacional..." Fez com que o cidadão normal, que trabalha 10 horas por dia, passa horas nos transportes públicos e que nunca pediu empréstimo a banco, (ou lhe foi rejeitado uma renegociação já antes do "crash" financeiro), mas jamais deixou de pagar o imposto de renda pontualmente, para não ter o mesmo fim de Al Capone. Ao ouvir os "argumentos" entrou em catarse nacional e numa amnésia solidarizada, esqueceu todas as origens da crise atual.

Mesmo sem entender nada de bolsa de valores e do mundo financeiro em geral, exigem que o senado aprove o cheque em branco, do qual eles muito provavelmente só o zero receberão.

Ou seja, sem entendermos ou pensarmos muito sobre os argumentos do Bush Jr., - em muitos casos tão „verdadeiros e reais“ como foram os argumentos usados por ele para unir e convencer o senado e povo americano para invadirem o Iraque de Sadam - concordamos que agora há mesmo que se fazer algo que evite o colapso e recessão econômica „mundial“. Na histeria atual, queremos pressionar o(s) governo(s) a dar um cheque em branco para a mão de empresários e banqueiros que não souberam cumprir as suas funções profissionais, e isso penso ser um absurdo. Primeiro durante anos ganharam trilhões vendendo gato por lebre - papeis de alto risco como se fossem papeis de baixo risco - o que na lei se prevê como sendo um acto ilegal e digno de prisão. E agora que afundaram o barco, os mesmos de sempre, ainda recebem um bônus!?

Ajudar sim, mas com condições e controles sobre os culpados da crise. Assinar cheque em branco não!

Quando vejo a câmara e o senado americano querendo ajudar, mas não a qualquer preço e não a qualquer um, penso que além das querelas políticas internas e não mundias, estão desta vez tentando não repetir o mesmo erro que fizeram ao terem aceite os argumentos de Bush para a invasão do Iraque. Pois se tal cheque for assinado novamente em branco, tal como no passado alguns países o assinaram, esta será a próxima guerra assinada em branco que não trará certeza nenhuma de calmaria ao mercado financeiro e consumirá muitos mais outros bilhões de dólares, nos próximos anos. E se os ganhadores de ontem foram os grandes consórcios de armas, a eles agora só se juntarão os especuladores da bolsa de valores e os banqueiros „indemnizados“.

Há verdadeiros especialistas da matéria que também dizem;

"Dinheiro que sai da bolsa e entra no mercado como forma de investimento directo na economia, também gera novos empregos e aquece a economia...

As exportações mundiais não dependem mais do mercado consumidor americano...

As reservas do nosso banco central aguentam mais dois crash desses...

Ainda tem muita gente ganhando na bolsa e muito mais vai ganhar agorar...

Esta crise vai amadurecer e acordar o mundo financeiro, transportando-o novamente para a realidade, o que é extremamente saudável...

O banco central alemão não salvará nenhum banco particular, só garantirá os fundos de aposentadoria que estejam investidos em ações desses bancos...

...etc,etc,etc..."

Hoje não importa e nem vale pena querermos ver ou analisarmos outras formas de pensar, que sejam isentas dessa histeria. Perceber que a forma de argumentação histérica usada hoje, muitas vezes nada mais é do que uma manipulação muito bem instrumentalizada por interesses financeiros e políticos, e que pretende na verdade atravessar o pânico além fronteiras americanas. Fazendo outros bancos centrais embarcarem nessa canoa e nos fazer esquecer que é exatamente por culpa da péssima gerência político e econômica da Era Bush, que esse poderio mundial e o neo-liberalismo nunca esteve tão perto do fim.

O verdadeiro negócio agora, à beira de novas eleições, é não se falar mais do dinheiro ou das vidas que estão sendo gastas no Iraque. Nem das hipotecas não renegociadas há um ano atrás, ou da punição dos responsáveis por este colapso da economia.

Para estar dentro da linha atual o melhor é mais uma vez não penar e simplesmente decidir dizendo; „welcome innocently boy"... já baixamos as calças para a cura milagrosa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Apesar de ser suficientemente longo...ainda acrescentaria que quando escrevo;"...esta será a próxima guerra assinada em branco que não trará certeza nenhuma de calmaria ao mercado financeiro e consumirá muitos mais outros bilhões de dólares, nos próximos anos..." O dinheiro será dos enrolados contribuintes, qua na sua maioria não tem culpa do mau gerenciamento dos bancos.

António Maria