terça-feira, 2 de setembro de 2008

Série "Moçambique – O meu Setembro de 1974"


Parte III

Um amigo da família, o arquitecto reconhecido em terras moçambicanas, Andrade Paes, arranjou um VW, clone do que o Duarte um dia havia lhe pedido “emprestado”, sem lhe ter falado, para ir buscar um amigo a Tete, e colocou-nos um motorista da seguradora que representava em Vila Pery para nos levar, a Mãe e a mim, a Lourenço Marques, ao encontro dos manos.
Fazendo um parêntesis, sobre o “empréstimo” que o Duarte fez ao VW da Seguradora Mundial: É que o Duarte trabalhava na época do acidente com o Andrade Paes na dita Seguradora e arrumou forma de ficar com o carro no fim de semana. Lembro-me também que no mesmo período o Duarte dava apoio em um programa na rádio de Vila Pery em que a grande poetisa e humanista Glória de Sant’Atana, esposa do Andrade Paes, pilotava. Inclusive, a certa altura, desafiou o Duarte a montar por uma semana, em um horário noturno, um programa de Jazz com os discos que havíamos “herdado” do Pai, já falecido na época. Teve boa audiência. Me lembro que no dia 8 de Setembro, onde além de algumas retransmissões da tribo que havia tomado a Rádio Clube de LM, a Rádio de Vila Pery pouca falava e em compensação punha bastante música para os ouvintes, e boa parte da coletânea de Jazz que o Duarte havia selecionado para os tais programas foram também ouvidos naquele dia.
Mas voltando ao dia nove de Setembro, o motorista (me falta o nome deste senhor, que tanto me deu segurança nestes dias) e o Volkswagen nos apanharam no apartamento, e fomos para a estrada.
Já de noite, alguns quilômetros depois de termos passado de Maxixe, somos parados por uma barreira militar. Por alguns segundos a tensão dentro do VW é grande. Não sabemos se trata-se de uma barreira do exército português ou da Frelimo, nem mesmo sabíamos aquela altura por quem melhor poderíamos ser recebidos. Paramos, e um alferes do exército português se apresenta, pergunta-nos qual o nosso destino e não vê com bons olhos a nossa viagem, ainda mais durante a noite. Não nos deixa seguir viagem, alerta-nos que podemos inclusive encontrar outras barreiras, mesmo agora no sentido inverso, inclusive do pessoal da Frelimo. Ainda assim indica-nos voltar até Maxixe e nos acomodar em um hotel até que tudo se normalize. Fazemos meia volta, e não mais do que 1.000 metros depois, o motorista e a Mãe decidem estacionar o carro para dormirmos por ali. Naquele momento surgiu por parte do motorista a insegurança de nos depararmos com uma barreira da Frelimo e encontrarem um negro tentando ajudar uma senhora e o seu filho brancos. Momento onde a insegurança estava instalada, alimentada por um movimento reacionário, liderada por gente reconhecidamente reacionária, tentando mudar o curso da história, que alimentava naquele momento reações de ódio irracionais, o que deixou seqüelas políticas e sociais por muito tempo.
Decidiram os dois mais velhos que ali passaríamos a noite, dormindo, ou tentando dormir, dentro do VW (carochinha / fusca), com o experiente homem acalmando um adolescente que estava mais assustado com os barulhos, que vinham de fora, de possíveis animais selvagens, do que com possíveis guerrilheiros da Frelimo, militares portugueses, ou até mesmo com os reaças da Rádio Clube!
(Continua...)

4 comentários:

Anônimo disse...

Se bem me lembro, nessa atribulada viajem acabaram por passar em Inhambane e visitaram o advogado Dr. Arouca antes de seguirem para então LM.

Com relação ao Andrade Paes pesno que era um escritório de arquitectura ou ligado á construção civil.

E o restante da malta miúda estava lá no parque do Hotel Cardoso curtindo o pôr de sol - comendo uns pasteis deliciosos da pastelaria Teresinha ali ao perto - cantando entre uma Janis Joplin e um Emerson L & Palmer... Grândola Vila Morena.

O sonho não morreu, e que as gerações vindouras sejam mais consequentes e honestas que a "nossa" foi para com o querido Moçambique.

Tó Maria

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Sim, Tó Maria! Essa visita está na 4a. parte desta série.
Acho também que o Paes de Andrade tinha algum escritório de arquitetura ou algo similar, mas se não estiver muito enganado, também representava a seguradora. Mas a Andrea e a Inez poderão nos confirmar isso.
E estou contigo, o sonho não pode morrer nunca. Mesmo que no caminho erros existam.

Zé Paulo

Anônimo disse...

valeu a pena ter fumado charros enqto os guerrilheiros terroristas matavam velhos e crianças brancas e estupravam mulheres e meninas?

os povos eram pacíficos, a guerrilha marxista tinha que ser eliminada

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Anônimo,
Não mataram mais do que soldados do exército português mataram população nativa. Aldeias interias foram exterminadas por bombardeios de napalm. Aldeias inteiras, onde só tinam mulheres, velhos e crianças, eram invadidas e incendiadas, mortos quem passavam na frente das G3 dos portugueses.
Foi de facto uma guerra suja de ambos os lados.
Os charros? Foi uma época, boa, mas que ficou no passado.

Zé Paulo